sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Storytelling


Older Urbano Di Nolla

Older sempre foi muito saudável. A vida inteira ele se alimentou bem, praticou exercícios regularmente e nunca ficou doente. Aos 45 anos, é casado há mais de vinte anos e tem com a esposa Rosângela dois filhos e dois netinhos. Juntos formam uma família muito unida e de muita fé.

E fé foi tudo o que Older precisou e tudo no que realmente ele pôde se apegar depois do acidente que mudaria por completo a sua vida.

Older era laminador e trabalhava em uma grande siderúrgica. Em 2012, depois de 15 anos como inspetor de produtos, ele aceitou uma promoção. "Queria crescer e galgar algo mais para mim e para o futuro da minha família", afirma. "Era a minha hora."

Assim que assumiu o cargo, ele começou a ser treinado para a nova função. Fabricava três tipos de materiais: barras de ferro redondas, quadradas e chapas. Até que um dia, por descuido de um colega de trabalho, uma chave de cerca de 12 quilos, medindo 1,20 metro, voltou como uma flecha em sua direção. Foi um impacto equivalente a 12 toneladas voando contra o seu rosto. "Fui jogado dois metros para trás. Só conseguia ouvir todo o pessoal gritando: 'Pega a maca! Pega a maca!", relata.

Depois do violento golpe, Older começou a engasgar com o sangue que jorrava de sua cabeça e também com os pedaços de dentes que foram instantaneamente despedaçados. "Meus colegas ficavam me perguntando: 'Você está me ouvindo? 'Você está me ouvindo?' Eu ouvia, mas não conseguia responder. Acho que estava em estado de choque", conta.

Depois disso Older desmaiou.

Ao chegar no hospital de Mogi para visitar o marido, Rosângela não pôde acreditar no que via: "Eu achei que eu tivesse entrado no quarto errado. Só o reconheci depois que eu vi uma tatuagem que ele tem no braço. O rosto estava aberto, os olhos pulavam para fora e a cabeça ficou do tamanho de um travesseiro. Ele parecia um boi”, lamenta.

Apesar de estar usando todo o equipamento de segurança recomendado, Older teve 30 fraturas na face e perdeu 100% da visão dos dois olhos. Ele foi então transferido para um ótimo hospital em São Paulo onde, dois dias depois, os médicos decidiram extrair o olho direito para evitar uma meningite.

Na semana seguinte, fizeram a reconstrução da face. Depois de 17 dias internado, os médicos se reuniram com a família e comunicaram: "Tudo o que a medicina podia fazer nós fizemos. Não tem mais jeito, Older, você nunca mais vai poder enxergar".

Nesse momento, Older levou aos mãos aos olhos pela primeira vez depois do acidente e percebeu que o olho direito estava murcho. "Vamos colocar uma prótese no lugar", tentou consolá-lo o doutor.

"Eu chorei demais. Pensei: 'Como eu vou conseguir viver nessa escuridão, meu Deus??! Não vou mais ver o rosto dos meus filhos, do meus netinhos, da minha esposa..."

O saldo do acidente foi a perda total da visão de ambos os olhos, 10 dentes implantados, prótese no olho direito, cirurgia para corrigir um desvio de septo decorrente da perfuração no rosto, 24 parafusos, sete placas e duas telas de titânio.

Dez meses depois do acidente, Older ganhou alta e pôde voltar às atividades normais. "No início foi difícil demais. Só pensava no porquê de tudo isso ter acontecido justamente comigo", observa. "Minha revolta maior foi perceber que eu fui vítima de um acidente que poderia ter sido evitado", argumenta.

Segundo Older, em 2005 a empresa havia comprado um maquinário desenvolvido justamente para evitar acidentes como o que aconteceu com ele. "Só que a empresa não quis instala aquele equipamento, pois ele diminuía o ritmo da produção", revela. Older conta que o ferramental ficou parado até o dia do seu acidente. Depois disso, ele foi adaptado e em pouco tempo passou a funcionar. "O que mais me machucou foi ouvir depois do encarregado: 'Infelizmente, você foi o Jesus Cristo da história".

Após de passar por uma depressão, vivendo um período em que não queria mais sair de casa, aos poucos Older foi retomando a vida. Em 2013,  o médico do INSS recomendou a ele que procurasse o apoio da Fundação Dorina Nowill. E foi isso que ele fez.

Pouco tempo depois de se inscrever na Fundação, Older já estava sendo atendido pela psicóloga, participando das aulas de mobilidade para aprender a usar a bengala, praticando as aulas da "Atividades da Vida Diária" e também começou a aprender o braile. "Já decorei todas as letras!"

Ele conta que toda a orientação que a empresa não soube lhe dar, ele está conseguindo na Fundação Dorina. "Hoje eu faço a minha barba, tomo banho sozinho, troco de roupa, procuro roupas nas gavetas. Me viro mesmo. A Dorina me ensinou muita coisa, muita coisa mesmo", comemora.

A maior parte de tudo o que ele fazia antes do acidente ele já voltou a fazer, inclusive correr. "Procurei meu antigo treinador, que topou na hora me ajudar. Na primeira corrida que fizemos juntos eu tremi nas bases. Achei que não ia conseguir. Mas agora nós já participamos de seis e eu quero é mais", orgulha-se.

Aos poucos, Older foi aprendendo a lidar com a nova vida e com as novas situações que passou a ter pela frente. "Todos os dias eu preciso corrigir as pessoas: eu não sou coitadinho. Não posso aceitar que me coloquem como vítima", desabafa.

"Assim que recebi a notícia de que eu jamais voltaria a enxergar, achei que estava tudo perdido. Mas a Dorina me ensinou que nada, nada mesmo havia acabado. Graças à Fundação eu consegui retomar a minha independência. Não faço tudo o que eu fazia, mas tenho certeza de que ainda tenho muita coisa para viver", ressalta. "A Dorina me mostra todos os dias que eu sou capaz."