segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

"Ele vai se acostumar com o mundo dele e vai ser muito feliz, tenho certeza"

Storytelling


Luccas Barreto

Os olhinhos de Luccas parecerem estar sempre com duas lágrimas prontas para descer. Mas quem o vê de perto, descobre que as gotinhas são, na verdade, pontinhas de silicone que possibilitam a retirada das próteses que ele usa desde quando ainda era bebê. 

Durante a gestação, a mãe de Luquinhas, Marisvalda Silva Barreto, descobriu que o filho nasceria cego, pois, por alguma razão até hoje desconhecida, seus globos oculares não se desenvolveram. Quando nasceu, o bebê foi diagnosticado com "anoftalmia bilateral" e, de acordo com os médicos, jamais conseguiria enxergar.

Marisvalda, a Val, levou um susto quando soube. “Fiquei muito preocupada, mas quando o médico disse que, apesar do problema de visão, ele era uma criança saudável, fiquei tranquila. A saúde do meu filho é tudo o que importa para mim”, afirma.

O pai de Luccas nunca assumiu o filho e também nunca ajudou Val nem a comprar uma roupinha, uma cesta básica, um remédio, uma fraldinha. Na verdade, ele nunca visitou Luquinhas. São os filhos mais velhos de Val que juntam as economias e ajudam a cuidar do irmão caçulinha. “A gente se vira; todos trabalham e ninguém deixa faltar nada para ele”, conta a mãe.

Aos três anos, Luccas tem uma vida cheia: brinca, passeia, vai para a creche, é curioso e muito afetuoso. Apesar disso, Val conta que, de vez em quando, ainda vê o filho sofrer preconceito e ouve coisas que a deixam triste. “É comum algumas pessoas dizerem ‘Tadinho...’ quando percebem que ele é cego. Outro dia, perguntei para uma vizinha: ‘Você conhece o meu Luquinhas?’ E ela respondeu: ‘Ai... Nem quero ver para não chorar!”, relata a mãe. “Eu não consigo entender o porquê disso. Ele é tão alegre e tão saudável, nunca teve uma gripe, o que mais eu posso querer? Sentir dó dele por quê? Ele é tão feliz!", enfatiza Val.

Desde os quatro meses de idade, ele frequenta a Fundação Dorina e participa do Programa de Intervenção Precoce, que tem como foco o desenvolvimento neuropsicomotor por meio de atividades lúdicas, além de orientações às famílias e às monitoras de creches e escolas. 

De lá para cá ele teve ganhos motores importantes e agora está aprendendo a andar sozinho. Fala algumas palavrinhas, entende melhor o que as pessoas falam a adora se divertir com brinquedos que emitem sons. “Ele adora uma bagunça”, diz Val.

Apesar de ser uma criança muito disposta, Luquinhas não consegue fazer tudo da mesma forma que uma criança da idade dele faria. Seu atraso neuropsicomotor é global, por isso seu desenvolvimento é lento. Segundo Daniele Lopes, fisioterapeuta da Fundação Dorina, a dificuldade motora de Luccas acomete a maioria das crianças cegas, pois como elas não têm referenciais visuais, acabam ficando mais quietas e sem interesse para se movimentar.

Dani explica que outro problema muito comum é que os pais das crianças cegas geralmente têm receio ou não sabem como estimular os filhos, o que dificulta o desenvolvimento. “Daí a importância de quanto mais cedo procurarem um serviço que possa ajudá-los nesse momento tão difícil de suas vidas”, afirma a fisioterapeuta.

É por essa razão que a Fundação Dorina dá tanta importância ao atendimento destinado aos bebês e às crianças com deficiência visual, possibilitando seu desenvolvimento e inclusão na sociedade. “As crianças aprendem pela imitação e se não enxergam precisam ser incentivadas a realizar os movimentos corporais e a ter interesse por tudo aquilo que ouvem, tocam, sentem e percebem. No lugar da visão, os outros sentidos precisam ser trabalhados, o que possibilita o desenvolvimento global e a atração pelo mundo ao seu redor e pelas outras pessoas”, afirma a Dani.    

Apesar de toda as dificuldades e dentro das suas possibilidades, Luccas está em contínuo desenvolvimento. Ele está bem esperto e a cada dia aprende sons e descobre novas coisas em suas andanças pela Fundação, pela creche e em casa.

Recentemente, Luquinhas passou por um problema na escolinha: ele vivia sendo mordido por uma coleguinha e, como ele não sabia se defender, passou a ficar com muito medo de ir para lá. As pedagogas da Fundação Dorina orientaram as professoras sobre como deveriam lidar com os problemas, e tudo então foi resolvido e ele voltou a adorar a creche.

No dia a dia, Luccas é curioso, sorridente e muito beijoqueiro. Mas como ele ainda tem alguma dificuldade de se locomover sozinho, caindo de vez em quando, Val admite que às vezes mima demais o filho, apesar das orientações contrárias que recebe. "A Dani [fisioterapeuta da Fundação Dorina] vive dizendo para eu não superprotegê-lo tanto, senão eu impeço que ele se desenvolva. Ela diz que eu preciso estimulá-lo sempre que possível. Eu sei que eu tenho que fazer isso, mas tem hora que é difícil. Coração de mãe é mole", diz. "Hoje ele anda normalmente em casa: ele vai se guiando pelas paredes e vai de um cômodo a outro da casa. Se fosse antes, eu pegaria a mãozinha dele e o guiaria até o outro cômodo. Mas, hoje, fico de longe falando: 'Filho, não é assim, é assim', e aí vou participando sem interferir no desenvolvimento dele."

Val conta que as orientações e o trabalho que vem sendo feito com Luccas na Fundação Dorina vem ajudando muito na evolução do filho caçula. A progresso dele é sensível. Na creche, ele brinca com os coleguinhas e em casa ele se diverte, escolhe os brinquedos de que mais gosta e atende as solicitações que a mãe e os irmãos fazem. "Antes, ele tinha medo até de ficar sentadinho. Hoje ele já levanta e deita sozinho. Ele ainda usa fralda, mas já está aprendendo a usar o peniquinho", comemora a mãe.

Luquinhas está sempre buscando contato físico, interage e, assim como a mãe, é pura simpatia. Juntos, eles mostram que a combinação de força e alto astral é capaz de diluir problemas e reforçar tudo o que há de bom nesta vida. 

Em muito, Luccas lembra o bebê que chegou na Fundação Dorina há mais de dois anos e meio: as covinhas, os cachinhos, o rostinho bochechudo, a afetuosidade com todos que demonstram carinho por ele e também o sorriso que dificilmente some daquele rostinho que é pura simpatia. O que mudou e ainda vem mudando são as formas que ele vem encontrando para se tornar cada vez mais uma criança independente. 

O caminho ainda é bastante longo. Mas é nele que Luquinhas vem trilhando feliz, leve, sorridente. "Ele vai se acostumar com o mundo dele e vai ser muito feliz, tenho certeza", diz a mãe.