"Se
depois de tudo o que ela viveu ela é feliz desse jeito, como eu posso achar
difícil alguma coisa nesta vida?"
Alexandro sempre pedia um irmãozinho para os pais. Cleide e Antônio,
moradores do Morro do Índio, em São Paulo, bairro próximo ao Capão Redondo,
decidiram, oito anos depois de terem o primeiro filho, que aquele poderia ser o
momento de ter mais um bebê.
Aos 32 anos, depois de muito tempo tomando anticoncepcional, o médico
advertiu à mãe: "Não crie muitas expectativas. Pode ser que demore".
Mas, para surpresa de todos, poucos meses depois Cleide descobriu que estava
grávida novamente.
Assim que fez o primeiro ultrassom, ouviu da médica: "Mãe, são duas
meninas."
"Eu dei foi risada. Falei com ela: 'Menina, tu tá ficando
doida?!", relembra Cleide. Pouco depois, a mesma médica anunciou outra
surpresa: "Mãe, uma delas tem Síndrome de Down".
Naquela hora eu fiquei muito assustada e a única coisa que eu pensei foi
'Como eu vou fazer para criar dois anjinhos desses, meu Deus?" Depois de
conversar com o marido, que também ficou muito apreensivo, o casal ponderou:
"Se Deus deu, nós vamos achar um jeito de criá-las com muito amor."
Durante a gravidez, Cleide teve início de trombose e precisou ficar em
casa, de repouso. Recebeu do filho e do marido todo o carinho possível e assim
passaram-se alguns meses da gestação.
Desesperado ante a uma escolha tão cruel, chorando, Antônio pediu ao
médico que salvasse a esposa, mas que fizesse tudo o que fosse possível para
que as filhas sobrevivessem. Apesar de toda a angústia, as duas meninas
nasceram vivas e Cleide passou bem após o parto. Alexia, pesando 970 gramas, e
Alice, que era o bebê com Síndrome de Down, nasceu um pouco mais gordinha, com
1,09 quilo.
Recomposta do parto, assim que viu as filhas entubadas, Cleide não
aguentou a emoção e desmaiou. Para complicar, neste mesmo dia, Alexia sofreu
quatro paradas cardíacas e precisou passar por um procedimento para a colocação
de um cateter. Depois disso, o casal sofreu mais um duro golpe: o médico veio
até eles dizer que havia grande possibilidade de Aléxia falecer.
Mas o casal, muito unido, seguiu firme. Antônio voltou a trabalhar e
Cleide ia todos os dias ao hospital para amamentar e visitar as meninas.
Enquanto Alice se mantinha estável, sem grandes complicações, Alexia
havia sido diagnosticada com uma série de problemas que, para os pais, parecia
desesperadoramente interminável: hidrocefalia, broncodisplasia, pneumorotax,
brondisplasia pulmonar, além de ter sofrido hemorragias intecraniana e
pulmonar. Apesar de ter passado por cirurgias, a cabeça de Alexia crescia,
crescia e o líquido precisava ser drenado a cada três dias.
Um dia, logo depois de ir ao hospital dar de mamar às filhas, Cleide
atendeu uma ligação: "Mãe, a senhora venha aqui, pois a gente precisa
conversar."
"Nessa hora, eu liguei desesperada para a minha mãe e disse: 'Mãe,
acho que a Aléxia faleceu", relembra muito emocionada.
Ao chegar ao hospital, Cleide e o marido foram, mais uma vez,
surpreendidos pela notícia: "Mãezinha, sua filhinha Alice morreu...."
No dia seguinte, o bebê foi
enterrado e, como por um milagre, a partir de então Alexia começou a melhorar subitamente.
"Alice foi o anjinho que cuidou da irmã", conta a mãe, muito
comovida.
Pesando menos de quatro quilos, Alexia foi submetida a uma nova
cirurgia, desta vez para a implantação de uma válvula que substituiria uma veia
entupida.
Depois disso, aos poucos a menina levou alta e começou a melhorar a
olhos vistos. Quando tinha de cinco para seis meses, o bebê passou a ser
atendido pela APAE, onde uma das médicas diagnosticou que a menininha tinha
baixa visão. Recomendou, então, que a mãe procurasse imediatamente a Fundação
Dorina Nowill para Cegos.
"Ah, depois que ela começou a vir para a Dorina, a minha menina se
desenvolveu muito! Ela foi para a fisioterapia, melhorou os movimentos, já
firma as perninhas e a postura está mais retinha, olha só! A gente percebe o
desenvolvimento dela dia após dia", comemora Cleide.
A casa da família fica muito distante do ponto de ônibus. Para chegar
até lá, Cleide anda com Alexia no colo por quase dois quilômetros, em ruas íngremes
e de calçamento muito precário. Apesar disso, ela diz que espera ansiosa pelo
dia de levar a filha até a Fundação Dorina, que fica a mais de 22 quilômetros
de distância, do outro lado da cidade: "O tanto que minha menina gosta de
ir lá e o tanto que o tratamento da Dorina vem sendo bom para ela compensam
qualquer problema que eu tenha que enfrentar. Eu vou feliz da vida, pois eu sei
que ela está feliz ", alegra-se a mãe.
"Só de pensar que outro dia mesmo o dedinho dela parecia um
palitinho. A orelha era só uma pelinha de nada grudada na cabeça... Hoje, quando
a Alexia acorda de manhã, sorridente como você está vendo, mesmo sem enxergar quase
nada, eu ganho forças para enfrentar quantos problemas eu tiver que passar. Se
depois de tudo o que ela viveu ela é feliz desse jeito, como eu posso achar
difícil alguma coisa nesta vida?", pergunta a mãe.
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