Fundação Dorina Nowill para Cegos
Case Rozimary Aparecida de Souza Costa
Rozimary é uma bela mulher de 38 anos, que chama a atenção pela postura assertiva e pelo bom humor. Quem hoje vê a pessoa alegre, vaidosa e cheia de planos mal consegue acreditar que há poucos anos ela não tinha esperança de que pudesse, algum dia, ser verdadeiramente feliz.
Durante a gravidez, a mãe de Rozi teve toxoplasmose (a chamada doença do rato) e isso fez com que o bebê nascesse com sequelas muito graves. "Nasci com problemas neurológicos e com a visão muito comprometida. Enxergo só 15% e percebo apenas sombras e cores muito berrantes, como amarelo e verde fosforescente. O mundo sempre foi meio esquisito para mim porque nunca consegui perceber detalhes", conta. Rozimary relata que, desde criança, as pessoas começaram a perceber que ela tinha um olhar diferente, mas nunca a levaram ao médico para diagnosticar o problema. "Meus parentes não assumiam a minha deficiência e fingiam que não havia nada de errado comigo."
Segundo ela, além de não buscar tratamento, sua mãe a prendia muito em casa, o que fez com que a menina se tornasse arredia e muito introspectiva. Para piorar, Rozi conta que sofria muita discriminação na escola, sendo constantemente alvo de chacota por parte das outras crianças. "Sofri muito, pois queria ser que nem as outras crianças. Nunca fui de muitas amizades, pois meus colegas queriam fazer coisas que eu não conseguia fazer".
Aos 18 anos, Rozi decidiu se casar para ver se conseguia dar algum sentido à vida. Teve dois filhos, que hoje têm 17 e 15 anos, mas o casamento não resistiu. "Vivi uma fase em que não conseguia ficar perto de ninguém, nem das minhas crianças."
Aos poucos, Rozimere foi percebendo que não aceitar a deficiência estava lhe fazendo muito mal e a impedindo de evoluir. "Cheguei à conclusão de que eu era um objeto não identificado no meio da rua e que não passava de um ponto de referência: 'Perto daquela cega ali', brinca. "Tive que ir descobrindo meu caminho sozinha e fui me adaptando sem orientação; não da forma mais recomendável, mas da maneira como fui encontrando."
O medo de socialização fez com que Rozi evitasse ao máximo os pedidos de ajuda, assim como adiou também a opção pelo uso da bengala. "Não queria perguntar nada para ninguém. Eu mesma mascarava o meu problema". Até que um dia, ao andar próximo à rodovia Regis Bittencourt, Rozi levou um tombo devido às elevações do solo. O incidente fez com que ela decidisse improvisar uma bengala. "Nesse dia consegui um taco de golfe emprestado, fiz umas modificações e passei a usá-lo no dia a dia."
Dorina
No ano de 2006, Rozi descobriu a Fundação Dorina Nowill para Cegos ao procurar pelo empréstimo de audiobooks. Algum tempo depois, começou a participar de sessões de terapia ocupacional e de psicologia, duas vezes por semana. "Me identifiquei muito com a história da Dona Dorina: uma mulher vaidosa, chique e muito decidida. Eu achava que cego tinha que andar desarrumado, sem maquiagem, descabelado. Ao conhecer a história dela, decidi mudar a minha imagem e passei a me maquiar, a escolher melhor as minhas roupas e passei a buscar meu equilíbrio físico e mental", explica. "Além disso, aqui na Fundação conheci uma turma de amigos, com quem passei a sair, dançar, ir ao karaokê, namorar e aprender a ser feliz".
Rozimary diz que ao se abrir para as novas possibilidades ela conseguiu perceber que era ela sua maior inimiga. "Tive que bater nesse inimigo, pois sempre fui muito fechada e muito submissa. Hoje eu estou bem, aprendi a pedir ajuda, sei me posicionar, vou aonde estou a fim e não tenho barreiras em assumir o meu mundo. E sou feliz com ele", ressalta.
"Percebi que a gente se torna uma cruz quando não tem autonomia. A deficiência joga em cima da gente uma fragilidade e eu descobri que precisava fazer dessa fragilidade uma fortaleza. Eu venci essa fragilidade e hoje eu sou feliz porque vivo no meu mundo. Antes eu vivia querendo me adaptar ao mundo dos videntes, um mundo que não era meu. Na verdade, eu não aceitava o meu mundo porque ninguém nunca havia me apresentado a ele. E a Fundação Dorina fez isso pra mim."
Rozi desabafa e chega a dizer que no período em que se recusava a aceitar a própria condição se sentia morta, mas desde que conheceu a Fundação Dorina Nowill sua postura diante de si mesma e diante da vida mudou completamente: "Vir para a Fundação é como conseguir abrir as asas, é como ser uma árvore que vai desgalhando, pois a Dorina se preocupa muito com a nossa independência. Afinal, foi isso o que a própria Dorina Nowill queria para ela mesma. As pessoas saem daqui com ideias e ganham o mundo, com ideias e noções de direito", diz. "Agora tenho projeto de vida e até aprendi a comemorar o meu aniversário, coisa que eu nunca fiz, pois não tinha o que comemorar. Meu primeiro aniversário de verdade eu só comemorei aos 35 anos. Aqui na Dorina eu achei a minha luz e agora quero passá-la adiante."
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