segunda-feira, 1 de agosto de 2016

domingo, 1 de maio de 2016

A história de Arthur



Val teve uma gravidez absolutamente normal, mas durante o parto de Arthur ela levou um susto: o filho estava com o cordão umbilical enrolado no pescoço, o que prejudicou a circulação sanguínea do bebê. Arthur foi transferido imediatamente de Itapecerica da Serra, onde mora a família, para um hospital mais bem aparelhado em Taboão da Serra.  
Passado o sobressalto, a médica veio conversar com Val: “Mãe, seu filho é albino e isso pode significar que a visão dele esteja comprometida. Vamos ter que esperar para avaliar melhor.”

Arthur nem havia completado um ano e Val começou a perceber um tremor intermitente nos olhinhos dele. Mas como o menino estava com aspecto saudável, não se preocuparam. Poucos dias depois, graças a um “providencial” acidente com um guarda-chuvas que acabou por ferir os olhos de Arthur, mãe e pai correram com o filho para o pronto socorro. “Foi a nossa sorte”, desabafa a mãe.Na consulta de emergência, os médicos pediram muitos exames. Com os resultados em mãos, o neurologista pediu aos pais que procurassem com urgência um oftalmologista.

Depois de mais alguns exames, a especialista que o atendeu diagnosticou baixa visão no bebê e disse que os tremores nos olhos eram resultado de nistagmo*. Mas foi bem direta com os pais: “Ele vai precisar usar óculos com graus altíssimos a partir de agora, mas se ele for bem cuidado, terá uma vida normal”.
 
Apesar das palavras animadoras da médica, Val ficou desorientada. “Deficiência é uma palavra forte demais! Acontecer com a gente, vá lá, mas com um filho?? Meu Deus, o que eu vou fazer??"

João Victor, o pai, também entrou em desespero, mas precisou ser forte para amparar a esposa.  

Alguns meses depois, Val ouviu falar sobre a Fundação Dorina Nowill para Cegos e decidiu entrar em contato para que o filho pudesse ser atendido o quanto antes. Em pouco tempo, Arthur já estava sendo atendido pela fisioterapeuta ocular e pela psicopedagoga da Fundação. Já os pais, passaram primeiramente pela psicóloga e depois pela assistente social. "Esse apoio foi crucial para nós naquele momento", relata João.

“Conhecer a Fundação Dorina foi a melhor coisa das nossas vidas!”, emociona-se Val. “Eles nos orientam em tudo, até sobre as mínimas questões do dia a dia. A maneira como somos tratados lá, desde a recepção até os especialistas, é maravilhosa. Recebemos carinho e respeito de todos!" Se não fosse a generosidade das pessoas que contribuem para a Fundação, Val acredita que seu filho não estaria tão feliz. "Não teríamos como pagar pela estrutura que a Dorina nos oferece.”

Hoje, aos sete anos, Arthur está no 2º ano de uma escola pública de Itapecerica. O menino tem uma vivacidade fora do comum e, segundo a mãe, chega a ser hiperativo. Ele brinca, conversa, estuda, assiste TV e se diverte o dia todo. Na companhia do pai, pratica capoeira e toca berimbau e pandeiro muito bem.  Mas o grande sonho dele é ser cantor.

“Quando chegamos na Fundação, ouvimos da médica: ‘O Arthur vai ter uma vida normal. Ele só não vai poder ser piloto de avião, pois pilotos precisam ter 100% da visão. Fora isso, ele vai poder ser o que quiser’. Hoje, passado algum tempo que ele vem recebendo atendimento aqui, olho para o Arthur tão saudável, inteligente, ativo e tenho certeza disso: graças à Fundação Dorina o Arthur é hoje uma criança feliz e vai mesmo poder ser tudo aquilo que quiser!”, comemora Val.


 * Oscilações rítmicas, repetidas e involuntárias de um ou ambos os olhos conjugadamente, nos sentidos horizontal, vertical ou rotatório, que podem dificultar muito a focalização das imagens. Uma das causas para o nistagmo é o albinismo.



A história de Aïcha


Um longo caminho separa Aïcha e sua mãe, Meire, da Fundação Dorina Nowill para Cegos. Regularmente, mãe e filha percorrem 40 quilômetros de ônibus, metrô e caminhada, para ir de casa, na Vila Raquel, extremo Leste de São Paulo, até a Vila Mariana, onde fica a Fundação.   

Mas esse percurso, ainda que longo e demorado, é cumprido com muita alegria pelas duas. Até pouco tempo atrás, Meire vivia a angústia de conviver sozinha com a falta de respostas para uma série de questionamentos em relação ao grave problema de visão de sua filha de cinco anos. “Se não fosse pela Dorina, hoje Aïcha estaria cega”, desabafa.

Um atraso no parto comprometeu a saúde do bebê. Sentindo fortes contrações, Meire foi para a maternidade, mas sem perceber que a bolsa já havia estourado, a médica plantonista aplicou uma injeção de Buscopan na mãe e a liberou para voltar para casa.

No dia seguinte, já passado o período de ação do medicamento, as dores voltaram ainda mais fortes. Meire voltou então para a maternidade e o médico que estava de plantão imediatamente pediu um ultrassom e constatou que já não havia mais líquido amniótico e o bebê estava em processo de sofrimento. Ela teria que ser submetida a uma cesariana de emergência.

Quando Aïcha nasceu, a enfermeira não conseguiu disfarçar o nervosismo. Ela respirou fundo e entregou o bebê, que estava muito roxinho, para que a mãe pudesse beijá-lo. Segundos depois, recolheu a menina e a levou correndo para a UTI neonatal.

“Ninguém foi capaz de me dar nenhuma explicação. Durante sete dias não pude ter minha filha recém-nascida nos braços; só podia lhe tocar e fazer carinho através da incubadora. Foi desesperador”, relembra.

Depois de uma semana, Aïcha recebeu alta e, pela primeira vez, Meire pôde amamentá-la. “Mas eu não estava em paz. Os médicos liberaram minha filha sem dizer o que ela teve. Fiquei dois meses dormindo sentada, vigiando o bebê, com medo de ela morrer durante o sono”, relata a mãe.

Passados dois meses, Meire começou a perceber que algo estranho estava acontecendo com os olhinhos da menina. “Eles tremiam demais e não conseguiam acompanhar o movimento dos meus dedos”, explica.

Rapidamente, a mãe decidiu procurar o pediatra. Após alguns testes, ele constatou que o bebê tinha nistagmo* e encaminhou Aïcha para um oftalmologista e um neurologista. Depois de uma série de exames, alguns deles até mesmo com necessidade de sedação, foi descoberto que a menina tinha catarata em ambos os olhos. Ela precisaria ser submetida urgentemente a uma cirurgia, mas, devido ao pouco peso e a pouca idade, o médico decidiu esperar que ela completasse seis meses.

Esse tempo foi definitivo para a piora do quadro de Aïcha e em três meses seus dois cristalinos foram completamente tomados pela catarata.
 
A partir daí, a menina foi submetida a mais de 12 intervenções, entre cirurgias e correções. Foi um ano e meio de exames feitos semanalmente. Um processo desgastante para toda a família e, principalmente, para Aïcha, que ainda era um bebê de colo.

Nesse período, o nenê ainda se alimentava apenas com o leite materno. Durante todos os procedimentos, Aïcha precisava ficar 10 horas em jejum. "Tínhamos que dormir separadas para ela não sentir o cheiro do leite. Eu sofria demais por vê-la chorar de fome", relembra a mãe.

Angustiada ao ver a filha que, já aos nove meses de vida usava óculos para corrigir impressionantes 19 graus de miopia e 18 de hipermetropia, e sem saber lidar com um provável agravamento da doença ante ao desapego dos médicos com seu desespero, Meire começou a fazer buscas na internet, a fim de localizar alguma entidade que prestasse assistência à pacientes, mas também aos pais de crianças cegas e com baixa visão.

Foi pelo site que a mãe ficou conhecendo a Fundação Dorina. Meire se informou sobre todos os serviços prestados e, na mesma hora, ligou para marcar atendimento. Poucos dias depois, ela e a filha já estavam sendo atendidas pelas especialistas da Fundação.

“Eu precisava sair daquele casulo que me angustiava tanto. Precisava ajudar a minha filha!”, diz. “Os médicos não me explicavam nada, mas eu decidi buscar as repostas. Pela minha filha eu decidi vencer isso e é na Dorina que eu encontro todos os esclarecimentos de que preciso. Lá eu me sinto amparada de verdade”, conta.

Mesmo com todas as dificuldades e de toda a dura rotina entre tratamento e exames, cirurgias e convalescências, Aïcha é uma criança curiosa, ativa, divertida, bem-humorada, feliz. É extremamente carinhosa com os pais e com o irmão, adora ir à escola, a EMEI Dilson Funaro, onde todas as funcionárias têm um papel indispensável no desenvolvimento dela: "Lá, posso contar com o apoio de todos, porteiro, cozinheiras, professoras Rosilene, Eliana e Priscila, da Leda e da coordenadora pedagógica Clélia. Inclusive, as professoras Rosilene e a Clélia já foram à Fundação conversar pessoalmente com a Valéria e com a dra. Ana Néride", elogia a mãe.

Aïcha também ama ir à Fundação Dorina, onde semanalmente cativa a todos com seu sorriso largo e inocente, inabalável, mesmo às vésperas de mais uma cirurgia, desta vez para tratar de um Glaucoma recentemente descoberto pelas especialistas da Fundação.

“Apesar de toda a tortura que sentimos dentro de nós, aprendi que temos que respirar fundo, esquecer a nossa dor e concentrar em nosso pequeno. Desde que Aïcha nasceu, perguntava todos os dias ‘Por que, meu Deus, por que ela precisa passar por tudo isso sendo tão pequenininha? Por que ela está sendo privada de enxergar o mundo?' Mas, aos poucos, com a sabedoria que a gente aprende a ter com a vida, e também com toda a ajuda de todos da Dorina, percebi que o importante é focar no que é possível fazer agora. E fazer.”


* Nistagmo são oscilações rítmicas, repetidas e involuntárias de um ou ambos os olhos conjugadamente, nos sentidos horizontal (de um lado para o outro), vertical (de cima para baixo) ou rotatório (movimentos circulares) que podem dificultar muito a focalização das imagens.


A história de Marquinho - Parte II


Marquinho tem 12 anos e quem conheceu o menino doente, triste, acuado, que não andava e mal falava de sete anos atrás, mal pode acreditar na criança doce, sadia, inteligente e lutadora que ele é hoje.

Quando ainda era um bebê, sua mãe, Maria Gilma, uma cortadora de cana  do interior de Alagoas, percebeu que algo não ia bem com a saúde do filho. Além de apresentar problemas sérios de desenvolvimento, os olhos de Marquinho eram muito "murchinhos". Depois de passar por inúmeras e frustradas consultas em postos de saúde e hospitais públicos alagoanos, mesmo sem conhecer ninguém Gilma decidiu vir com o filho para São Paulo a fim de encontrar um diagnóstico preciso e um tratamento adequado para ele. "Eu faço o que for necessário por um filho", diz ela; "até passar por cima dos meus maiores medos."

Mesmo sem saber ler e escrever, Gilma desembarcou em São Paulo com Marquinho. Na maior cidade do país, passaram por muitas dificuldades e tiveram até que dormir na rua. Após um ano de insistentes tentativas para conseguir uma consulta para o filho em um hospital público de referência, Marquinho finalmente foi atendido: "Mãe, seu filho é cego", disse-lhe o especialista.

O menino foi diagnosticado com artrite juvenil e uveíte grave, inflamação numa camada do globo ocular. Precisou ficar mais de três anos em fila de espera até conseguir tratamento. "Ele não andava, não conversava, não tinha amigos e era uma criança triste", conta a mãe. "Todas as escolas o rejeitavam, pois diziam que ele não poderia estudar com crianças normais".

Quando completou cinco anos, uma das profissionais de saúde que passaram pela vida de Marquinho aconselhou Maria Gilma a procurar ajuda na Fundação Dorina Nowill para Cegos.  Foi aí que uma nova vida começou para ele.

Após cadastrar o filho na Fundação, rapidamente Marquinho deu início ao tratamento. Ele passou a frequentar semanalmente a Fundação Dorina, onde recebeu todo o atendimento psicopedagógico necessário. Em pouco tempo, aprendeu a ler e a escrever em braile e sua evolução era perceptível.  "Antes, ele chorava muito quando as pessoas falavam que ele não conseguia fazer nada direito", desabafa Maria Gilma. "Mas pouco tempo depois que ele começou a ir para a Dorina, ele já conseguia fazer tudo o que os amiguinhos faziam. O desenvolvimento dele foi impressionante".

Hoje, Marquinho está no 6º ano e sua evolução escolar é absolutamente normal para uma criança da sua idade. Com a ajuda da Fundação Dorina, ele já tem total domínio da bengala, o que lhe garante autonomia não só dentro de casa, como também nas ruas e na escola.

Maria Gilma e Marquinho sabem que os dias de dificuldades ainda não acabaram. Mãe e filho acordam às 4h40 para conseguir chegar às 7h na escola em que ele estuda. "O café da manhã é no caminho para a gente não perder tempo", ressalta Gilma. Como a escola fica muito longe de casa, a incansável mãe espera pacientemente pelo filho durante cinco horas, até que a aula acabe.

Marquinho, segundo a mãe, está mais seguro, mais curioso, mais feliz. "Ele adora estudar. Às vezes, passa das dez da noite e ele ainda está estudando. Ele é um menino tão bom que nem na hora de acordar ele dá trabalho", elogia a mãe. "Meu sonho é que, um dia, ele faça uma faculdade. E do jeito que ele está se desenvolvendo, eu não duvido, não..."

Quem vê a luta diária de Marquinho e Maria Gilma, se surpreende ao perceber que nenhum dos dois lamenta nem o mais severo episódio da dura história que os trouxe até aqui, tampouco a rotina árdua a que ainda estão submetidos. "Se eu tivesse parado, ele também estaria parado. Não penso em tudo o que passamos. Penso em tudo o que conseguimos conquistar e em tudo o que ainda iremos alcançar nesta vida", diz a mãe. "Por isso, tudo o que eu peço a Deus hoje é força, coragem, vontade e saúde."

A cortadora de cana do interior de Alagoas transformou em conquistas todas as limitações que ela e o filho encontraram pela frente. Descobriu um caminho por meio de uma mistura certeira de fé, obstinação e amor que abriu definitivamente para Marquinho as portas de um mundo que a mãe sempre teve certeza de que também é dele.