Um longo caminho separa Aïcha
e sua mãe, Meire, da Fundação Dorina Nowill para Cegos. Regularmente, mãe e
filha percorrem 40 quilômetros de ônibus, metrô e caminhada, para ir de casa,
na Vila Raquel, extremo Leste de São Paulo, até a Vila Mariana, onde fica a
Fundação.
Mas esse percurso, ainda que
longo e demorado, é cumprido com muita alegria pelas duas. Até pouco tempo
atrás, Meire vivia a angústia de conviver sozinha com a falta de respostas para
uma série de questionamentos em relação ao grave problema de visão de sua filha
de cinco anos. “Se não fosse pela Dorina,
hoje Aïcha estaria cega”, desabafa.
Um atraso no parto
comprometeu a saúde do bebê. Sentindo fortes contrações, Meire foi para a
maternidade, mas sem perceber que a bolsa já havia estourado, a médica
plantonista aplicou uma injeção de Buscopan na mãe e a liberou para voltar para
casa.
No dia seguinte, já passado o
período de ação do medicamento, as dores voltaram ainda mais fortes. Meire
voltou então para a maternidade e o médico que estava de plantão imediatamente
pediu um ultrassom e constatou que já não havia mais líquido amniótico e o bebê
estava em processo de sofrimento. Ela teria que ser submetida a uma cesariana
de emergência.
Quando Aïcha nasceu, a enfermeira
não conseguiu disfarçar o nervosismo. Ela respirou fundo e entregou o bebê, que
estava muito roxinho, para que a mãe pudesse beijá-lo. Segundos depois,
recolheu a menina e a levou correndo para a UTI neonatal.
“Ninguém foi capaz de me dar
nenhuma explicação. Durante sete dias não pude ter minha filha recém-nascida nos
braços; só podia lhe tocar e fazer carinho através da incubadora. Foi
desesperador”, relembra.
Depois de uma semana, Aïcha recebeu
alta e, pela primeira vez, Meire pôde amamentá-la. “Mas eu não estava em paz.
Os médicos liberaram minha filha sem dizer o que ela teve. Fiquei dois meses
dormindo sentada, vigiando o bebê, com medo de ela morrer durante o sono”,
relata a mãe.
Passados dois meses, Meire
começou a perceber que algo estranho estava acontecendo com os olhinhos da
menina. “Eles tremiam demais e não conseguiam acompanhar o movimento dos meus
dedos”, explica.
Rapidamente, a mãe decidiu
procurar o pediatra. Após alguns testes, ele constatou que o bebê tinha nistagmo*
e encaminhou Aïcha para um oftalmologista e um neurologista. Depois de uma
série de exames, alguns deles até mesmo com necessidade de sedação, foi
descoberto que a menina tinha catarata em ambos os olhos. Ela precisaria ser
submetida urgentemente a uma cirurgia, mas, devido ao pouco peso e a pouca
idade, o médico decidiu esperar que ela completasse seis meses.
Esse tempo foi definitivo
para a piora do quadro de Aïcha e em três meses seus dois cristalinos foram
completamente tomados pela catarata.
A partir daí, a menina foi
submetida a mais de 12 intervenções, entre cirurgias e correções. Foi um ano e
meio de exames feitos semanalmente. Um processo desgastante para toda a família
e, principalmente, para Aïcha, que ainda era um bebê de colo.
Nesse período, o nenê ainda
se alimentava apenas com o leite materno. Durante todos os procedimentos, Aïcha
precisava ficar 10 horas em jejum. "Tínhamos que dormir separadas para ela
não sentir o cheiro do leite. Eu sofria demais por vê-la chorar de fome", relembra
a mãe.
Angustiada ao ver a filha
que, já aos nove meses de vida usava óculos para corrigir impressionantes 19
graus de miopia e 18 de hipermetropia, e sem saber lidar com um provável
agravamento da doença ante ao desapego dos médicos com seu desespero, Meire
começou a fazer buscas na internet, a fim de localizar alguma entidade que
prestasse assistência à pacientes, mas também aos pais de crianças cegas e com
baixa visão.
Foi pelo site que a mãe ficou
conhecendo a Fundação Dorina. Meire se informou sobre todos os serviços
prestados e, na mesma hora, ligou para marcar atendimento. Poucos dias depois,
ela e a filha já estavam sendo atendidas pelas especialistas da Fundação.
“Eu precisava sair daquele
casulo que me angustiava tanto. Precisava ajudar a minha filha!”, diz. “Os
médicos não me explicavam nada, mas eu decidi buscar as repostas. Pela minha
filha eu decidi vencer isso e é na Dorina que eu encontro todos os
esclarecimentos de que preciso. Lá eu me sinto amparada de verdade”, conta.
Mesmo com todas as
dificuldades e de toda a dura rotina entre tratamento e exames, cirurgias e
convalescências, Aïcha é uma criança curiosa, ativa, divertida, bem-humorada,
feliz. É extremamente carinhosa com os pais e com o irmão, adora ir à escola, a
EMEI Dilson Funaro, onde todas as funcionárias têm um papel indispensável no
desenvolvimento dela: "Lá, posso contar com o apoio de todos, porteiro,
cozinheiras, professoras Rosilene, Eliana e Priscila, da Leda e da coordenadora
pedagógica Clélia. Inclusive, as professoras Rosilene e a Clélia já foram à
Fundação conversar pessoalmente com a Valéria e com a dra. Ana Néride",
elogia a mãe.
Aïcha também ama ir à Fundação
Dorina, onde semanalmente cativa a todos com seu sorriso largo e inocente, inabalável,
mesmo às vésperas de mais uma cirurgia, desta vez para tratar de um Glaucoma
recentemente descoberto pelas especialistas da Fundação.
“Apesar de toda a tortura que
sentimos dentro de nós, aprendi que temos que respirar fundo, esquecer a nossa
dor e concentrar em nosso pequeno. Desde que Aïcha nasceu, perguntava todos os
dias ‘Por que, meu Deus, por que ela precisa passar por tudo isso sendo tão
pequenininha? Por que ela está sendo privada de enxergar o mundo?' Mas, aos
poucos, com a sabedoria que a gente aprende a ter com a vida, e também com toda
a ajuda de todos da Dorina, percebi que o importante é focar no que é possível
fazer agora. E fazer.”
* Nistagmo
são oscilações rítmicas, repetidas e involuntárias de um ou ambos os olhos
conjugadamente, nos sentidos horizontal (de um lado para o outro), vertical (de
cima para baixo) ou rotatório (movimentos circulares) que podem dificultar
muito a focalização das imagens.
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