domingo, 1 de setembro de 2013

Pai e filho

Storytelling

Fundação Dorina Nowill para Cegos
História de Pietro




Storytelling

Pietro

À primeira vista, Pietro é um menino tímido e quietinho. Mas bastam algumas cócegas para que ele abra um largo sorriso, solte gargalhadas e comece a contar estórias fantasiosas de seus personagens infantis.
E foi assim durante todo o tempo em que conversamos com Fabiano, o pai de Pietro, que mesmo sem conseguir colorir com elementos tão lúdicos e alegres a história do filho, contou como, apesar de tudo, ambos conseguem hoje ser tão felizes juntos.

Pietro nasceu de oito meses, após algumas complicações de última hora na gravidez da mãe. Antes de sair do hospital, o bebê foi submetido a todos os exames, incluindo o de fundo de olho. Como tudo estava normal, mãe e filho foram liberados pela médica.

Aos três meses de idade, Pietro foi com a mãe a uma consulta de rotina no posto de saúde. Lá, a pediatra percebeu que o bebê não estava acompanhando os estímulos do exame óptico feito para avaliar a reflexão da luz na retina. A médica, então, encaminhou Pietro para a realização de exames mais complexos no Hospital São Paulo. "Os olhos dele ficavam sempre muito fechados", conta Fabiano. "Isso começou a nos preocupar demais."

No hospital, a oftalmologista não conseguiu fazer uma avaliação exata, pois, segundo o pai,  havia muito sangue dentro dos olhinhos de Pietro. De lá para cá, todos os exames aos quais o menino foi submetido foram inconclusivos. "Até hoje ninguém me deu uma resposta sobre o que cegou meu filho", lamenta o pai.

Nem bem Fabiano começava a se acostumar à dura realidade, pai e filho sofrem mais um duro golpe. "Eu levava o Pietro de manhã para a creche e a mãe o buscava no final do dia. No início da noite, uma amiga me ligou, dizendo que a mãe dele havia deixado o Pietro com ela e desapareceu. Sumiu e me deixou sozinho com o meu filho", conta o pai.

Aos poucos, Fabiano foi aprendendo a como lidar com a deficiência de Pietro. Na creche, recomendaram que o pai buscasse ajuda da Fundação Dorina Nowill para Cegos, o que Fabiano fez imediatamente. Desde então, Pietro participa semanalmente de atividades de psicomotricidade na Fundação, para que seu desenvolvimento integral seja devidamente estimulado.

Hoje, Fabiano conseguiu reconstruir sua vida, casou-se de novo e conta sempre com a ajuda indispensável da própria mãe, a avó coruja de Pietro. Apesar de o chefe não gostar muito, Fabiano, que trabalha de domingo a domingo, tenta sempre tirar folga às quartas-feiras para trazer o filho para a Fundação. "Se é importante para ele, estaremos aqui sempre", declara.

Sobre o futuro de Pietro, Fabiano assume uma postura absolutamente tranquila, típica de quem já aprendeu com a vida que, diferentemente das estórias, as histórias somos não somos nós quem criamos, mas podemos ser, sim, aqueles que conduzem seu curso."Ele é uma criança muito tranquila, que se adapta a tudo. E tudo o que eu quero é que ele seja um adulto independente e feliz. E aqui na Dorina ele já está aprendendo a como conseguir isso."


"Minha esperança não se cansa"

Storytellling

História de João


"Minha esperança não se cansa"

Sandra* teve um pré-natal tranquilo e trabalhou até a véspera do parto. João* nasceu com 40 semanas, com peso e medida muito saudáveis.

Quando o bebê tinha entre quatro e cinco meses, a mãe notou um grau de estrabismo e uma vermelhidão constante em seus olhinhos. No posto de saúde, a médica decidiu encaminhar a criança para uma oftalmologista. Já na especialista, Sandra recebeu uma notícia que a deixou muito preocupada: "Mãe, seu bebê tem má formação nos olhos e esse pode ser um caso de baixa visão".

Aos oito meses, João á não percebia tão bem os focos de luz como antes. Depois de mais exames, ficou comprovado que o bebê estava com catarata em ambos os olhos. Intrigada com o problema, principalmente porque não há registro de ninguém da família que tenha a mesma deficiência, apesar de todas as dificuldades, Sandra continua à procura de respostas. "Demora mais de uma ano para conseguirmos fazer os exames que os médicos pedem. A médica disse que o problema dele é na retina, mas até hoje não sabemos ao certo o que ele tem", desabafa a mãe.

Apesar disso, Sandra não se cansa de buscar uma explicação para a doença do menino. "Trabalho em uma padaria que tem muitos clientes que são médicos. Peco sempre conselhos a eles, na esperança de conseguir uma resposta para o problema do meu filho. Minha esperança não se cansa", diz.

A cada exame que Sandra consegue marcar para João, todos eles muito complexos para uma criança tão nova, mãe e filho sofrem muito: "Ele chora, chora, chora. Eu vou e começo a chorar junto. Queria que fosse comigo todo esse sofrimento".

Com o passar dos anos, Sandra foi aceitando o problema. Por indicação de uma das médicas que atenderam o filho, ela trouxe João  Fundação Dorina Nowill para Cegos. Há dois anos, ele é estimulado por atividades psicomotoras. "No início eu estava muito perdida, muito mesmo. Mas aqui na Dorina eu fui orientada. Hoje, às vezes eu até esqueço que ele tem problema."

Depois de dedicar dois anos totalmente ao filho, Sandra voltou a trabalhar e hoje encara a realidade de uma maneira mais  tranquila. "Não podia ficar mais tempo parada, pois tenho que ajudar meu marido a manter a casa. Como trabalho de domingo a domingo, pedi para folgar nas quartas-feiras, que é o dia que trago o João ara a Fundação Dorina. É impressionante como ele adora vir aqui", conta.

"Ensinei tantas coisas aos meus sobrinhos e, às vezes, fico pensando que terei de achar um jeito diferente de ensinar a ele o que os outros aprenderam vendo. O bom é que aqui na Dorina eles me ajudam a encontrar esse caminho. Aqui eles me mostram que tanto o meu filho quanto eu temos muito o que aprender, graças a Deus."

"Uma das coisas que a fisioterapeuta daqui da Dorina me aconselhou, foi a deixar o João escobrir o mundo por ele mesmo. Hoje, ele vai com a mãozinha e percorre a casa toda, sem medo." João dora brincar de massinha, interage perfeitamente com os amiguinhos e, como qualquer criança da sua idade, adora a Galinha Pintadinha: "Ele sabe todas as músicas de cor", diz a mãe.


Apesar do medo que das prováveis dificuldades que João ai enfrentar quando começar a crescer, Sandra cria o filho para ser um adulto realizado e independente. "Não quero que ninguém tenha dó dele. Ele pode conseguir tudo o que ele quiser. Ano que vem ele já vai para a escola e tenho certeza de que ele vai conquistar muitas coisas lindas. Para ele o mundo sempre foi assim e é assim que ele é e vai continuar a ser muito feliz." 

* Os nomes foram substituídos para preservar as identidades dos personagens

"Há tempo para todo o propósito"

Storytelling

Fundação Dorina Nowill para Cegos
História de Gabriela


"Há tempo para todo o propósito"

Gabriela* mora com os pais num quarto de pensão na região sul de São Paulo. O local, apesar de  pequeno, é extramente limpo e organizado, graças a todo o zelo de Dora*. O mesmo esmero com o qual a mãe trata a filha de seis anos. Há um ano, a família veio do nordeste tentar a vida em São Paulo.

Gabriela tem seis anos de idade e nunca enxergou.  Fruto de uma gravidez de risco, ela é hoje a filha única de uma mãe que não pode mais engravidar e que dedica cada instante da própria vida para cuidar da saúde da menina.

As dificuldades de Dora começaram aos quatro meses de gestação, quando ainda morava no Recife (PE). "Estava fazendo o pré-natal no posto, quando o médico achou que a minha barriga estava grande demais. Me pediu alguns exames e, com os resultados em mãos, me disse: 'Você está com vários miomas, dois deles imensos. E pode ser que eles não deem espaço para o bebê se desenvolver".

Dora ficou muito preocupada. Mas, apesar do diagnóstico, o médico decidiu que só retiraria os miomas quando o bebê nascesse. "Até o parto eu teria que tomar remédios para evitar sangramentos, além de muitas vitaminas", conta.

Aos oito meses de gestação, durante uma consulta de rotina, o obstetra decidiu fazer apressadamente o parto de Dora. "Não deu tempo nem de ligar para o meu marido. Ele fez a cesariana e naquele momento decidiu ligar as minhas trompas. Disse que elas estavam com problemas", diz Dora. Mas os miomas ficaram, devido a outro problema detectado pelo médico, e seriam retirados,anos depois, juntamente com o útero, os ovários e as trompas.

Apesar de todas as dificuldades, Gabriela nasceu saudável, pesando 2,6 quilos e medindo 46cm. Ainda no hospital, o bebê passou pelo teste do pezinho e, logo em seguida, mãe e filha foram liberadas.

Aos quatro meses, a mãe percebeu uma claridade estranha nos olhos da filha, mas como a pediatra não pediu exames e disse que aquilo era normal, a mãe se tranquilizou. "Dava para a gente ver lá dentro do olho", relata Dora.

Na véspera do aniversário de um ano de Gabriela, a mãe percebeu algo ainda mais estranho nos olhinhos da filha: "Parecia que os olhos estavam balançando", conta. Ela foi com a menina para a emergência do hospital. Chegando lá, Gabriela precisou ser submetida a uma série de exames que exigiam sedação. "Assim que terminaram, os médicos vieram me dizer que ela tinha um 'caroço de massa' nos olhos e nos encaminharam imediatamente para o Osvaldo Cruz. Neste momento eu entrei em desespero, pois sabia que era um hospital especializado no tratamento de câncer", lembra.

Com uma carta para ser entregue à chefe da pediatria do Osvaldo Cruz, Dora saiu do hospital em que estava sem nem passar antes em casa. "Lá, a médica leu a carta, avaliou os exames e, finalmente, me disse: 'Mãe, a gente precisa te dar uma noticia não muito boa: sua filha tem câncer no olho direito, e o tumor já está muito grande. Mas nós vamos cuidar da Gabriela."

Antes mesmo de entender o que se passava com a filha, outra notícia brutal foi dada na sequência: "Vamos ter que extrair o globo ocular esquerdo para evitar que o tumor vá para o nervo óptico", disseram os médicos à mãe.

"Minha única filha estava com câncer. E, na melhor das hipóteses, ela ficaria cega. Como uma mãe consegue sobreviver a isso, meu Deus?", interrogava Dora.


Gabriela foi internada imediatamente e, antes de voltar ao outro hospital para a retirada do globo ocular, deu início ao tratamento quimioterápico. Foram ao todo seis sessões, realizadas a cada 21 dias. "Ela perdeu todo o cabelinho, mas resistiu bravamente ao tratamento tão agressivo", lembra a mãe. Passados quinze dias, Gabriela foi encaminhada para a colocação de prótese. Enquanto isso, Dora buscava consolo na própria dificuldade: "Pelo menos restava a ela a vista esquerda".

Mal sabia a mãe que, semanas depois, Gabriela sofreria novamente com muitas dores e elas teriam que voltar ao hospital para uma nova consulta de emergência. "Ela chorava, chorava, chorava e se encolhia todinha. E eu chorava junto".

No dia seguinte, Dora conta que todo o pesadelo recomeçou, depois de ouvir da equipe médica: "Vamos ter que extrair o globo ocular direito e iniciar imediatamente  novas sessões de quimio".

"Meu Deus, eu que sempre tive medo de ter um filho doente, um filho com deficiência. E agora eu precisava conviver com essa realidade, a realidade assustadora que tomava conta da minha única filha!"

Dora é uma mulher de muita fé. E é justamente nesta fé que Dora se agarra com tanta determinação para descobrir caminhos que possam guiar da melhor forma a trajetória que a filha tem pela frente. "A Bíblia diz: 'Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Gabriela é filha da promessa. E eu fiz e vou fazer o até o impossível para que ela seja muito feliz", garante a mãe.

Gabriela é uma criança criativa, alegre e cheia de amigas por perto. Recebe muito amor e também muitos limites dos pais, o que contribui para que ela leve uma vida praticamente normal. Há quatro anos ela recebeu alta e hoje o câncer está estacionado. Como forma de controlar a doença, a cada quatro meses a menina repete exames de tomografia apenas como forma de acompanhamento profilático. Diariamente, Gabriela frequenta a creche e uma vez por semana comparece com a Mãe à Fundação Dorina Nowill para Cegos, onde recentemente deu início ao processo de alfabetização por meio da escrita e leitura em braile.

* Os nomes foram substituídos para preservar as identidades das personagens


Do tamanho de um passarinho

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Fundação Dorina Nowill para Cegos
História de Geovanna

Eliane teve uma gravidez normal até chegar ao sétimo mês. Com muita perda de água,ela correu para o hospital achando que chegara a hora de dar à luz. De Santana do Parnaíba, onde mora, foi correndo para Osasco. Como o hospital de Osasco não teve condições de atendê-la, Eliane foi encaminhada para São Paulo. Ela ficou uma semana internada, até que o bebê nasceu, com apenas um quilo e meio. Assim que nasceu, Geovanna sofreu uma parada cardiorespiratória, o que iria complicar ainda mais a saúde do bebê que nascera prematura."Geovanna nasceu do tamanho de um passarinho", conta a mãe, que até hoje se emociona com a história.Depois de dois dias, Eliane recebeu alta, mas Geovanna permaneceu internada na UTI neonatal. Durante dois meses, todos os dias a mãe saía do Parque Imperial para visitar a filhinha, que estava em um hospital no bairro da Liberdade, região central de São Paulo. "Era muito triste ver meu bebê todo ligado em aparelhos. Um dia, cheguei lá e vi a cabecinha dela raspada de um lado, pois já não havia mais veias para injetar os remédios", relata a mãe.
Aos poucos, Geovanna foi reagindo, ganhando peso até que pôde ir para casa. A mãe, que até então nunca havia segurado a filha, diz que a primeira coisa que Geovanna quis ao ser embalada por ela foi dar sua primeira mamada. "Meu leite não secou e eu pude amamentá-la durante muito tempo ainda".

Tudo ia muito bem, até que, aos quatro meses de vida, Eliana percebeu que os olhinhos da filha não estavam acompanhando os estímulos visuais. "Eu fazia as mesas coisas com meu sobrinhos e vi que eles acompanhavam as minhas mãos. Mas com a Geovanna era diferente. Ela não seguia meus movimentos e isso foi me preocupando muito. Além disso, a cor dos olhos [íris] era bem clarinha, muito mais do que o normal", explica.
A mãe levou Geovanna para fazer todos os exames solicitados e, finalmente, o médico concluiu depois de examinar o ultrassom: "Ela está com um deslocamento irreversível nas retinas dos dois olhos. Não tem mais jeito, mãe, ela nunca mais vai voltar a enxergar."

"Eu fiquei desesperada. Não queria acreditar naquilo. Comecei a procurar outros médicos, mas todos confirmaram o diagnostico. "Entrei em pânico. Não parava mais de chorar. Eu estava revoltada. Minha única filha era cega! Eu não conseguia aceitar isso."

Apesar da deficiência na visão, o desenvolvimento da filha transcorreu normalmente. A mãe conta que a menina começou a falar e a engatinhar na idade certa. "Quando ela andou pela primeira vez, levei um susto! Eu estava na cozinha quando a Geovanna apareceu na porta e disse: 'Mamãe, cheguei." Eu chorei demais. Abracei forte a minha filha e nesse dia vi que Deus estava com ela."

Aos poucos, a mãe precisou ir se acostumando à realidade da filha e, regularmente, leva Geovanna às consultas do posto de saúde. E oi numa dessas consultas que uma médica recomendou que ela encaminhasse a filha até a Fundação Dorina Nowill para Cegos para que a criança pudesse receber o acompanhamento adequado e as orientações necessárias para seu desenvolvimento integral.

"Quando eu cheguei aqui na Fundação, um mundo novo apareceu para mim e para a minha filha. Enquanto a Geovanna ia para a fisioterapia, eu ia para a psicóloga. Eu falava muito sobre a minha revolta, meu sofrimento. Quando me perguntavam se minha filha era cega, eu xingava, ficava nervosa, me descontrolava. Pensava revoltada: ninguém da minha família tem esse problema. Minha avó tem 100 anos e enxerga perfeitamente! Eu só tenho uma filha e justamente essa filha é cega? Mas aos poucos fui me controlando. A psicóloga da Dorina foi me ajudando e, na verdade, eu só melhorei mesmo depois que vim para cá", desabafa a mãe.

Hoje, aos seis anos, Geovanna é uma criança carismática, falante e muito esperta. Mas, apesar de extrovertida, a menina conta que é comum enfrentar problemas na escola: "Às vezes, os meninos não tem muita paciência comigo. Quando eu vou sem querer para a mesa errada, alguns colegas ficam bravos e gritam comigo: "Aqui não é a sua mesa, sua cega!"

Mas Geovanna enfrenta as dificuldades com muita determinação. Uma determinação impressionante para uma criança da sua idade. Ela vai diariamente à escola, onde recebe materiais em braile feitos especialmente pela escola. Uma vez por semana vem com a mãe até a Fundação Dorina, onde já treina a bengala, aprende a formar palavras e a usar a máquina braile. "Quero ser advogada ou cabeleireira", diz Geovanna. Depois pensa um pouco e completa: "Acho que prefiro ser advogada, porque quero prender todas as pessoas más do mundo." Em seguida, Geovanna continua pensativa e pergunta: "Posso falar outro sonho que eu tenho? Quero ter um cão guia bem lindo!"

Apesar de todas as dificuldades, que Eliana enfrentou e enfrenta sozinha, sem a ajuda do marido, ao ver Geovanna crescer, se desenvolver e se tornar uma criança extremamente inteligente e ativa, ela começou a entender que deveria buscar na própria criança a força que ela não tinha, mas precisava para conseguir enfrentar a própria vida. "Antes de eu tinha muito medo. Achava que nada ia dar certo, que eu não ia conseguir enfrentar isso. Hoje eu só sonho coisa boa, principalmente para ela. Sonho em vê-la um dia na faculdade e sei que ela vai conseguir.Às vezes a gente acha que não vai superar uma coisa, mas supera, sim. Por amor e por fé a gente supera."