domingo, 1 de setembro de 2013

"Há tempo para todo o propósito"

Storytelling

Fundação Dorina Nowill para Cegos
História de Gabriela


"Há tempo para todo o propósito"

Gabriela* mora com os pais num quarto de pensão na região sul de São Paulo. O local, apesar de  pequeno, é extramente limpo e organizado, graças a todo o zelo de Dora*. O mesmo esmero com o qual a mãe trata a filha de seis anos. Há um ano, a família veio do nordeste tentar a vida em São Paulo.

Gabriela tem seis anos de idade e nunca enxergou.  Fruto de uma gravidez de risco, ela é hoje a filha única de uma mãe que não pode mais engravidar e que dedica cada instante da própria vida para cuidar da saúde da menina.

As dificuldades de Dora começaram aos quatro meses de gestação, quando ainda morava no Recife (PE). "Estava fazendo o pré-natal no posto, quando o médico achou que a minha barriga estava grande demais. Me pediu alguns exames e, com os resultados em mãos, me disse: 'Você está com vários miomas, dois deles imensos. E pode ser que eles não deem espaço para o bebê se desenvolver".

Dora ficou muito preocupada. Mas, apesar do diagnóstico, o médico decidiu que só retiraria os miomas quando o bebê nascesse. "Até o parto eu teria que tomar remédios para evitar sangramentos, além de muitas vitaminas", conta.

Aos oito meses de gestação, durante uma consulta de rotina, o obstetra decidiu fazer apressadamente o parto de Dora. "Não deu tempo nem de ligar para o meu marido. Ele fez a cesariana e naquele momento decidiu ligar as minhas trompas. Disse que elas estavam com problemas", diz Dora. Mas os miomas ficaram, devido a outro problema detectado pelo médico, e seriam retirados,anos depois, juntamente com o útero, os ovários e as trompas.

Apesar de todas as dificuldades, Gabriela nasceu saudável, pesando 2,6 quilos e medindo 46cm. Ainda no hospital, o bebê passou pelo teste do pezinho e, logo em seguida, mãe e filha foram liberadas.

Aos quatro meses, a mãe percebeu uma claridade estranha nos olhos da filha, mas como a pediatra não pediu exames e disse que aquilo era normal, a mãe se tranquilizou. "Dava para a gente ver lá dentro do olho", relata Dora.

Na véspera do aniversário de um ano de Gabriela, a mãe percebeu algo ainda mais estranho nos olhinhos da filha: "Parecia que os olhos estavam balançando", conta. Ela foi com a menina para a emergência do hospital. Chegando lá, Gabriela precisou ser submetida a uma série de exames que exigiam sedação. "Assim que terminaram, os médicos vieram me dizer que ela tinha um 'caroço de massa' nos olhos e nos encaminharam imediatamente para o Osvaldo Cruz. Neste momento eu entrei em desespero, pois sabia que era um hospital especializado no tratamento de câncer", lembra.

Com uma carta para ser entregue à chefe da pediatria do Osvaldo Cruz, Dora saiu do hospital em que estava sem nem passar antes em casa. "Lá, a médica leu a carta, avaliou os exames e, finalmente, me disse: 'Mãe, a gente precisa te dar uma noticia não muito boa: sua filha tem câncer no olho direito, e o tumor já está muito grande. Mas nós vamos cuidar da Gabriela."

Antes mesmo de entender o que se passava com a filha, outra notícia brutal foi dada na sequência: "Vamos ter que extrair o globo ocular esquerdo para evitar que o tumor vá para o nervo óptico", disseram os médicos à mãe.

"Minha única filha estava com câncer. E, na melhor das hipóteses, ela ficaria cega. Como uma mãe consegue sobreviver a isso, meu Deus?", interrogava Dora.


Gabriela foi internada imediatamente e, antes de voltar ao outro hospital para a retirada do globo ocular, deu início ao tratamento quimioterápico. Foram ao todo seis sessões, realizadas a cada 21 dias. "Ela perdeu todo o cabelinho, mas resistiu bravamente ao tratamento tão agressivo", lembra a mãe. Passados quinze dias, Gabriela foi encaminhada para a colocação de prótese. Enquanto isso, Dora buscava consolo na própria dificuldade: "Pelo menos restava a ela a vista esquerda".

Mal sabia a mãe que, semanas depois, Gabriela sofreria novamente com muitas dores e elas teriam que voltar ao hospital para uma nova consulta de emergência. "Ela chorava, chorava, chorava e se encolhia todinha. E eu chorava junto".

No dia seguinte, Dora conta que todo o pesadelo recomeçou, depois de ouvir da equipe médica: "Vamos ter que extrair o globo ocular direito e iniciar imediatamente  novas sessões de quimio".

"Meu Deus, eu que sempre tive medo de ter um filho doente, um filho com deficiência. E agora eu precisava conviver com essa realidade, a realidade assustadora que tomava conta da minha única filha!"

Dora é uma mulher de muita fé. E é justamente nesta fé que Dora se agarra com tanta determinação para descobrir caminhos que possam guiar da melhor forma a trajetória que a filha tem pela frente. "A Bíblia diz: 'Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Gabriela é filha da promessa. E eu fiz e vou fazer o até o impossível para que ela seja muito feliz", garante a mãe.

Gabriela é uma criança criativa, alegre e cheia de amigas por perto. Recebe muito amor e também muitos limites dos pais, o que contribui para que ela leve uma vida praticamente normal. Há quatro anos ela recebeu alta e hoje o câncer está estacionado. Como forma de controlar a doença, a cada quatro meses a menina repete exames de tomografia apenas como forma de acompanhamento profilático. Diariamente, Gabriela frequenta a creche e uma vez por semana comparece com a Mãe à Fundação Dorina Nowill para Cegos, onde recentemente deu início ao processo de alfabetização por meio da escrita e leitura em braile.

* Os nomes foram substituídos para preservar as identidades das personagens


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