segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

domingo, 1 de setembro de 2013

Pai e filho

Storytelling

Fundação Dorina Nowill para Cegos
História de Pietro




Storytelling

Pietro

À primeira vista, Pietro é um menino tímido e quietinho. Mas bastam algumas cócegas para que ele abra um largo sorriso, solte gargalhadas e comece a contar estórias fantasiosas de seus personagens infantis.
E foi assim durante todo o tempo em que conversamos com Fabiano, o pai de Pietro, que mesmo sem conseguir colorir com elementos tão lúdicos e alegres a história do filho, contou como, apesar de tudo, ambos conseguem hoje ser tão felizes juntos.

Pietro nasceu de oito meses, após algumas complicações de última hora na gravidez da mãe. Antes de sair do hospital, o bebê foi submetido a todos os exames, incluindo o de fundo de olho. Como tudo estava normal, mãe e filho foram liberados pela médica.

Aos três meses de idade, Pietro foi com a mãe a uma consulta de rotina no posto de saúde. Lá, a pediatra percebeu que o bebê não estava acompanhando os estímulos do exame óptico feito para avaliar a reflexão da luz na retina. A médica, então, encaminhou Pietro para a realização de exames mais complexos no Hospital São Paulo. "Os olhos dele ficavam sempre muito fechados", conta Fabiano. "Isso começou a nos preocupar demais."

No hospital, a oftalmologista não conseguiu fazer uma avaliação exata, pois, segundo o pai,  havia muito sangue dentro dos olhinhos de Pietro. De lá para cá, todos os exames aos quais o menino foi submetido foram inconclusivos. "Até hoje ninguém me deu uma resposta sobre o que cegou meu filho", lamenta o pai.

Nem bem Fabiano começava a se acostumar à dura realidade, pai e filho sofrem mais um duro golpe. "Eu levava o Pietro de manhã para a creche e a mãe o buscava no final do dia. No início da noite, uma amiga me ligou, dizendo que a mãe dele havia deixado o Pietro com ela e desapareceu. Sumiu e me deixou sozinho com o meu filho", conta o pai.

Aos poucos, Fabiano foi aprendendo a como lidar com a deficiência de Pietro. Na creche, recomendaram que o pai buscasse ajuda da Fundação Dorina Nowill para Cegos, o que Fabiano fez imediatamente. Desde então, Pietro participa semanalmente de atividades de psicomotricidade na Fundação, para que seu desenvolvimento integral seja devidamente estimulado.

Hoje, Fabiano conseguiu reconstruir sua vida, casou-se de novo e conta sempre com a ajuda indispensável da própria mãe, a avó coruja de Pietro. Apesar de o chefe não gostar muito, Fabiano, que trabalha de domingo a domingo, tenta sempre tirar folga às quartas-feiras para trazer o filho para a Fundação. "Se é importante para ele, estaremos aqui sempre", declara.

Sobre o futuro de Pietro, Fabiano assume uma postura absolutamente tranquila, típica de quem já aprendeu com a vida que, diferentemente das estórias, as histórias somos não somos nós quem criamos, mas podemos ser, sim, aqueles que conduzem seu curso."Ele é uma criança muito tranquila, que se adapta a tudo. E tudo o que eu quero é que ele seja um adulto independente e feliz. E aqui na Dorina ele já está aprendendo a como conseguir isso."


"Minha esperança não se cansa"

Storytellling

História de João


"Minha esperança não se cansa"

Sandra* teve um pré-natal tranquilo e trabalhou até a véspera do parto. João* nasceu com 40 semanas, com peso e medida muito saudáveis.

Quando o bebê tinha entre quatro e cinco meses, a mãe notou um grau de estrabismo e uma vermelhidão constante em seus olhinhos. No posto de saúde, a médica decidiu encaminhar a criança para uma oftalmologista. Já na especialista, Sandra recebeu uma notícia que a deixou muito preocupada: "Mãe, seu bebê tem má formação nos olhos e esse pode ser um caso de baixa visão".

Aos oito meses, João á não percebia tão bem os focos de luz como antes. Depois de mais exames, ficou comprovado que o bebê estava com catarata em ambos os olhos. Intrigada com o problema, principalmente porque não há registro de ninguém da família que tenha a mesma deficiência, apesar de todas as dificuldades, Sandra continua à procura de respostas. "Demora mais de uma ano para conseguirmos fazer os exames que os médicos pedem. A médica disse que o problema dele é na retina, mas até hoje não sabemos ao certo o que ele tem", desabafa a mãe.

Apesar disso, Sandra não se cansa de buscar uma explicação para a doença do menino. "Trabalho em uma padaria que tem muitos clientes que são médicos. Peco sempre conselhos a eles, na esperança de conseguir uma resposta para o problema do meu filho. Minha esperança não se cansa", diz.

A cada exame que Sandra consegue marcar para João, todos eles muito complexos para uma criança tão nova, mãe e filho sofrem muito: "Ele chora, chora, chora. Eu vou e começo a chorar junto. Queria que fosse comigo todo esse sofrimento".

Com o passar dos anos, Sandra foi aceitando o problema. Por indicação de uma das médicas que atenderam o filho, ela trouxe João  Fundação Dorina Nowill para Cegos. Há dois anos, ele é estimulado por atividades psicomotoras. "No início eu estava muito perdida, muito mesmo. Mas aqui na Dorina eu fui orientada. Hoje, às vezes eu até esqueço que ele tem problema."

Depois de dedicar dois anos totalmente ao filho, Sandra voltou a trabalhar e hoje encara a realidade de uma maneira mais  tranquila. "Não podia ficar mais tempo parada, pois tenho que ajudar meu marido a manter a casa. Como trabalho de domingo a domingo, pedi para folgar nas quartas-feiras, que é o dia que trago o João ara a Fundação Dorina. É impressionante como ele adora vir aqui", conta.

"Ensinei tantas coisas aos meus sobrinhos e, às vezes, fico pensando que terei de achar um jeito diferente de ensinar a ele o que os outros aprenderam vendo. O bom é que aqui na Dorina eles me ajudam a encontrar esse caminho. Aqui eles me mostram que tanto o meu filho quanto eu temos muito o que aprender, graças a Deus."

"Uma das coisas que a fisioterapeuta daqui da Dorina me aconselhou, foi a deixar o João escobrir o mundo por ele mesmo. Hoje, ele vai com a mãozinha e percorre a casa toda, sem medo." João dora brincar de massinha, interage perfeitamente com os amiguinhos e, como qualquer criança da sua idade, adora a Galinha Pintadinha: "Ele sabe todas as músicas de cor", diz a mãe.


Apesar do medo que das prováveis dificuldades que João ai enfrentar quando começar a crescer, Sandra cria o filho para ser um adulto realizado e independente. "Não quero que ninguém tenha dó dele. Ele pode conseguir tudo o que ele quiser. Ano que vem ele já vai para a escola e tenho certeza de que ele vai conquistar muitas coisas lindas. Para ele o mundo sempre foi assim e é assim que ele é e vai continuar a ser muito feliz." 

* Os nomes foram substituídos para preservar as identidades dos personagens

"Há tempo para todo o propósito"

Storytelling

Fundação Dorina Nowill para Cegos
História de Gabriela


"Há tempo para todo o propósito"

Gabriela* mora com os pais num quarto de pensão na região sul de São Paulo. O local, apesar de  pequeno, é extramente limpo e organizado, graças a todo o zelo de Dora*. O mesmo esmero com o qual a mãe trata a filha de seis anos. Há um ano, a família veio do nordeste tentar a vida em São Paulo.

Gabriela tem seis anos de idade e nunca enxergou.  Fruto de uma gravidez de risco, ela é hoje a filha única de uma mãe que não pode mais engravidar e que dedica cada instante da própria vida para cuidar da saúde da menina.

As dificuldades de Dora começaram aos quatro meses de gestação, quando ainda morava no Recife (PE). "Estava fazendo o pré-natal no posto, quando o médico achou que a minha barriga estava grande demais. Me pediu alguns exames e, com os resultados em mãos, me disse: 'Você está com vários miomas, dois deles imensos. E pode ser que eles não deem espaço para o bebê se desenvolver".

Dora ficou muito preocupada. Mas, apesar do diagnóstico, o médico decidiu que só retiraria os miomas quando o bebê nascesse. "Até o parto eu teria que tomar remédios para evitar sangramentos, além de muitas vitaminas", conta.

Aos oito meses de gestação, durante uma consulta de rotina, o obstetra decidiu fazer apressadamente o parto de Dora. "Não deu tempo nem de ligar para o meu marido. Ele fez a cesariana e naquele momento decidiu ligar as minhas trompas. Disse que elas estavam com problemas", diz Dora. Mas os miomas ficaram, devido a outro problema detectado pelo médico, e seriam retirados,anos depois, juntamente com o útero, os ovários e as trompas.

Apesar de todas as dificuldades, Gabriela nasceu saudável, pesando 2,6 quilos e medindo 46cm. Ainda no hospital, o bebê passou pelo teste do pezinho e, logo em seguida, mãe e filha foram liberadas.

Aos quatro meses, a mãe percebeu uma claridade estranha nos olhos da filha, mas como a pediatra não pediu exames e disse que aquilo era normal, a mãe se tranquilizou. "Dava para a gente ver lá dentro do olho", relata Dora.

Na véspera do aniversário de um ano de Gabriela, a mãe percebeu algo ainda mais estranho nos olhinhos da filha: "Parecia que os olhos estavam balançando", conta. Ela foi com a menina para a emergência do hospital. Chegando lá, Gabriela precisou ser submetida a uma série de exames que exigiam sedação. "Assim que terminaram, os médicos vieram me dizer que ela tinha um 'caroço de massa' nos olhos e nos encaminharam imediatamente para o Osvaldo Cruz. Neste momento eu entrei em desespero, pois sabia que era um hospital especializado no tratamento de câncer", lembra.

Com uma carta para ser entregue à chefe da pediatria do Osvaldo Cruz, Dora saiu do hospital em que estava sem nem passar antes em casa. "Lá, a médica leu a carta, avaliou os exames e, finalmente, me disse: 'Mãe, a gente precisa te dar uma noticia não muito boa: sua filha tem câncer no olho direito, e o tumor já está muito grande. Mas nós vamos cuidar da Gabriela."

Antes mesmo de entender o que se passava com a filha, outra notícia brutal foi dada na sequência: "Vamos ter que extrair o globo ocular esquerdo para evitar que o tumor vá para o nervo óptico", disseram os médicos à mãe.

"Minha única filha estava com câncer. E, na melhor das hipóteses, ela ficaria cega. Como uma mãe consegue sobreviver a isso, meu Deus?", interrogava Dora.


Gabriela foi internada imediatamente e, antes de voltar ao outro hospital para a retirada do globo ocular, deu início ao tratamento quimioterápico. Foram ao todo seis sessões, realizadas a cada 21 dias. "Ela perdeu todo o cabelinho, mas resistiu bravamente ao tratamento tão agressivo", lembra a mãe. Passados quinze dias, Gabriela foi encaminhada para a colocação de prótese. Enquanto isso, Dora buscava consolo na própria dificuldade: "Pelo menos restava a ela a vista esquerda".

Mal sabia a mãe que, semanas depois, Gabriela sofreria novamente com muitas dores e elas teriam que voltar ao hospital para uma nova consulta de emergência. "Ela chorava, chorava, chorava e se encolhia todinha. E eu chorava junto".

No dia seguinte, Dora conta que todo o pesadelo recomeçou, depois de ouvir da equipe médica: "Vamos ter que extrair o globo ocular direito e iniciar imediatamente  novas sessões de quimio".

"Meu Deus, eu que sempre tive medo de ter um filho doente, um filho com deficiência. E agora eu precisava conviver com essa realidade, a realidade assustadora que tomava conta da minha única filha!"

Dora é uma mulher de muita fé. E é justamente nesta fé que Dora se agarra com tanta determinação para descobrir caminhos que possam guiar da melhor forma a trajetória que a filha tem pela frente. "A Bíblia diz: 'Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Gabriela é filha da promessa. E eu fiz e vou fazer o até o impossível para que ela seja muito feliz", garante a mãe.

Gabriela é uma criança criativa, alegre e cheia de amigas por perto. Recebe muito amor e também muitos limites dos pais, o que contribui para que ela leve uma vida praticamente normal. Há quatro anos ela recebeu alta e hoje o câncer está estacionado. Como forma de controlar a doença, a cada quatro meses a menina repete exames de tomografia apenas como forma de acompanhamento profilático. Diariamente, Gabriela frequenta a creche e uma vez por semana comparece com a Mãe à Fundação Dorina Nowill para Cegos, onde recentemente deu início ao processo de alfabetização por meio da escrita e leitura em braile.

* Os nomes foram substituídos para preservar as identidades das personagens


Do tamanho de um passarinho

Storytelling

Fundação Dorina Nowill para Cegos
História de Geovanna

Eliane teve uma gravidez normal até chegar ao sétimo mês. Com muita perda de água,ela correu para o hospital achando que chegara a hora de dar à luz. De Santana do Parnaíba, onde mora, foi correndo para Osasco. Como o hospital de Osasco não teve condições de atendê-la, Eliane foi encaminhada para São Paulo. Ela ficou uma semana internada, até que o bebê nasceu, com apenas um quilo e meio. Assim que nasceu, Geovanna sofreu uma parada cardiorespiratória, o que iria complicar ainda mais a saúde do bebê que nascera prematura."Geovanna nasceu do tamanho de um passarinho", conta a mãe, que até hoje se emociona com a história.Depois de dois dias, Eliane recebeu alta, mas Geovanna permaneceu internada na UTI neonatal. Durante dois meses, todos os dias a mãe saía do Parque Imperial para visitar a filhinha, que estava em um hospital no bairro da Liberdade, região central de São Paulo. "Era muito triste ver meu bebê todo ligado em aparelhos. Um dia, cheguei lá e vi a cabecinha dela raspada de um lado, pois já não havia mais veias para injetar os remédios", relata a mãe.
Aos poucos, Geovanna foi reagindo, ganhando peso até que pôde ir para casa. A mãe, que até então nunca havia segurado a filha, diz que a primeira coisa que Geovanna quis ao ser embalada por ela foi dar sua primeira mamada. "Meu leite não secou e eu pude amamentá-la durante muito tempo ainda".

Tudo ia muito bem, até que, aos quatro meses de vida, Eliana percebeu que os olhinhos da filha não estavam acompanhando os estímulos visuais. "Eu fazia as mesas coisas com meu sobrinhos e vi que eles acompanhavam as minhas mãos. Mas com a Geovanna era diferente. Ela não seguia meus movimentos e isso foi me preocupando muito. Além disso, a cor dos olhos [íris] era bem clarinha, muito mais do que o normal", explica.
A mãe levou Geovanna para fazer todos os exames solicitados e, finalmente, o médico concluiu depois de examinar o ultrassom: "Ela está com um deslocamento irreversível nas retinas dos dois olhos. Não tem mais jeito, mãe, ela nunca mais vai voltar a enxergar."

"Eu fiquei desesperada. Não queria acreditar naquilo. Comecei a procurar outros médicos, mas todos confirmaram o diagnostico. "Entrei em pânico. Não parava mais de chorar. Eu estava revoltada. Minha única filha era cega! Eu não conseguia aceitar isso."

Apesar da deficiência na visão, o desenvolvimento da filha transcorreu normalmente. A mãe conta que a menina começou a falar e a engatinhar na idade certa. "Quando ela andou pela primeira vez, levei um susto! Eu estava na cozinha quando a Geovanna apareceu na porta e disse: 'Mamãe, cheguei." Eu chorei demais. Abracei forte a minha filha e nesse dia vi que Deus estava com ela."

Aos poucos, a mãe precisou ir se acostumando à realidade da filha e, regularmente, leva Geovanna às consultas do posto de saúde. E oi numa dessas consultas que uma médica recomendou que ela encaminhasse a filha até a Fundação Dorina Nowill para Cegos para que a criança pudesse receber o acompanhamento adequado e as orientações necessárias para seu desenvolvimento integral.

"Quando eu cheguei aqui na Fundação, um mundo novo apareceu para mim e para a minha filha. Enquanto a Geovanna ia para a fisioterapia, eu ia para a psicóloga. Eu falava muito sobre a minha revolta, meu sofrimento. Quando me perguntavam se minha filha era cega, eu xingava, ficava nervosa, me descontrolava. Pensava revoltada: ninguém da minha família tem esse problema. Minha avó tem 100 anos e enxerga perfeitamente! Eu só tenho uma filha e justamente essa filha é cega? Mas aos poucos fui me controlando. A psicóloga da Dorina foi me ajudando e, na verdade, eu só melhorei mesmo depois que vim para cá", desabafa a mãe.

Hoje, aos seis anos, Geovanna é uma criança carismática, falante e muito esperta. Mas, apesar de extrovertida, a menina conta que é comum enfrentar problemas na escola: "Às vezes, os meninos não tem muita paciência comigo. Quando eu vou sem querer para a mesa errada, alguns colegas ficam bravos e gritam comigo: "Aqui não é a sua mesa, sua cega!"

Mas Geovanna enfrenta as dificuldades com muita determinação. Uma determinação impressionante para uma criança da sua idade. Ela vai diariamente à escola, onde recebe materiais em braile feitos especialmente pela escola. Uma vez por semana vem com a mãe até a Fundação Dorina, onde já treina a bengala, aprende a formar palavras e a usar a máquina braile. "Quero ser advogada ou cabeleireira", diz Geovanna. Depois pensa um pouco e completa: "Acho que prefiro ser advogada, porque quero prender todas as pessoas más do mundo." Em seguida, Geovanna continua pensativa e pergunta: "Posso falar outro sonho que eu tenho? Quero ter um cão guia bem lindo!"

Apesar de todas as dificuldades, que Eliana enfrentou e enfrenta sozinha, sem a ajuda do marido, ao ver Geovanna crescer, se desenvolver e se tornar uma criança extremamente inteligente e ativa, ela começou a entender que deveria buscar na própria criança a força que ela não tinha, mas precisava para conseguir enfrentar a própria vida. "Antes de eu tinha muito medo. Achava que nada ia dar certo, que eu não ia conseguir enfrentar isso. Hoje eu só sonho coisa boa, principalmente para ela. Sonho em vê-la um dia na faculdade e sei que ela vai conseguir.Às vezes a gente acha que não vai superar uma coisa, mas supera, sim. Por amor e por fé a gente supera."



terça-feira, 6 de agosto de 2013

Mala Direta Mackenzie Solidário

Instituto Presbiteriano Mackenzie
Mala direta de fundraising para o Fundo MackBolsas de Estudos



quarta-feira, 26 de junho de 2013

“Foi aqui que eu reaprendi a viver”

Storytelling

Fundação Dorina Nowill para Cegos
Case Fabiano Marcelino Martins

O bom humor de Fabiano é contagiante. Aos 29 anos, ele consegue transformar com leveza a triste história que viveu há cinco anos em uma divertida narrativa que arranca risos até do ouvinte mais comovido com sua história.

Em 2008, Fabiano trabalhava como manobrista e acabava de tirar férias. Estava feliz, pois havia comprado o carrinho que tanto queria e tornara-se pai, um de seus maiores sonhos. Nem a demissão repentina da esposa chegou a abatê-lo: “Nós vamos resolver isso. O que eu ganho dá pra gente comer e é isso o que importa.”

Naquele dia havia decidido aproveitar o início das suas férias: iria com a esposa buscar o cheque de sua rescisão e depois dariam um passeio pela cidade. Deixou o filho na casa de um vizinho, pegou emprestada a moto de um amigo, pediu à mulher que colocasse seu vestido mais bonito e foram passear. “Pegamos o cheque e, na volta, estávamos na Marginal Pinheiros sentindo aquele ventinho no rosto...”

A vida passando veloz por eles a 91 km por hora foi a última cena que Fabiano enxergara. Ele nunca mais voltaria a ver.

Fabiano não se lembra de nada. Do instante em que colidiu com um táxi à sua frente até o momento em que, oito dias depois, acordaria do coma, ele simplesmente apagou da memória. “Me contaram depois que eu fiquei com metade do corpo para dentro de um táxi e a outra metade para fora, enquanto minha mulher voou 20 metros. O motorista do táxi fugiu e, para completar, roubaram a minha carteira onde estava o nosso cheque.”

Fabiano foi levado de helicóptero para o Hospital das Clínicas, enquanto a esposa foi de ambulância para o Hospital São Paulo. “Só me acharam lá no HC porque uma vizinha viu o acidente no Datena e contou para o meu irmão.”

Fabiano ficou em coma por oito dias e mais de um mês internado. “Quebrei o rosto inteiro. Tive um trauma profundo nos olhos, minha cara ficou afundada e tiveram que reconstruir tudo com platina. Quando acordei, estava meio dopado e não entendi nada do que estava acontecendo. Não tinha ideia por que estava ali. Não conseguia nem raciocinar direito para entender por que eu não estava enxergando.”

Nos primeiros dias, o médico disse à família que seria preciso acompanhar o quadro de Fabiano para saber ao certo se ele voltaria a enxergar. “Mas os dias foram passando e o médico nada. Aí, cansei de esperar e resolvi eu mesmo botar uma pressão; cheguei na sala dele e perguntei na lata: ‘Doutor, eu vou voltar a enxergar ou não vou?’ E aí ele respondeu: ‘Infelizmente, meu amigo, não vai ter jeito para você. Você nunca mais vai enxergar, Fabiano.”

“Ah... Nessa hora eu fiquei desesperado. Fiquei revoltado. Quem iria cuidar do meu filho, trabalhar para pôr comida na boca dele? Chorei demais, sem parar.”

Preocupada, a mãe de Fabiano perguntou ao médico o que fazer e ele respondeu: “Deixa ele; é bom que ele chore e ponha tudo pra fora agora.”

“Aos poucos fui me acostumando com a nova realidade. No HC mesmo, eu estava numa enfermaria cheia de colegas da minha idade, um sem perna, o outro sem braço. A gente ficava ali, rindo das desgraças um do outro. E vi que as coisas não são bem assim, não. Deus permite que as coisas ruins aconteçam, mas na mesma hora ajuda a gente de outro jeito.”

E assim Fabiano recebeu alta do hospital, voltou para a sua casa no Jardim Ângela e pode, enfim, reencontrar a mulher que, apesar de não ficar com sequelas do acidente, também esteve internada por quase um mês.

“Quando cheguei em casa bateu um desespero. Só conseguia pensar: ‘fiquei cego, já era. Não sirvo pra mais nada.”

Ainda no Hospital das Clínicas, os médicos sugeriram à família que encaminhasse Fabiano à Fundação Dorina para que ele começasse o quanto antes o seu trabalho de reabilitação.

“Eu não queria vir, não. Achava mesmo que a minha vida tinha acabado. Mas minha mãe me acordou à força e me arrastou até aqui para que eu começasse o tratamento. Quando eu comecei a vir, sofria demais quando ouvia as vozes das crianças cegas. Eu não chorava por fora, mas chorava demais por dentro. Por mim e por elas.”

Depois disso, Fabiano participou da triagem, passou pelo Serviço de Assistência Social e começou a frequentar as aulas de mobilidade.

“Não gostava de ficar dependendo dos outros. Meu sogro começou a me trazer para a Fundação, mas ele ficava tirando sarro da minha cara e isso me machucava muito. No ônibus, ele falava comigo: ‘Não está vendo aquele lugar ali, não?` E ria da minha cara... Isso foi me machucando e um dia eu decidi que eu não iria mais depender dele, não. Resolvi ir sozinho pra a escola” (que é como ele, às vezes, se refere à Fundação Dorina).

“Peguei um cabo de vassoura para servir de bengala, saí de casa, olhei prum lado, olhei pro outro, olhei pra frente. ‘Ah, eu não vou não”, diverte-se. “Aí me lembrei do velho tirando sarro de mim e saí de casa de novo: olhei prum lado, olhei pro outro, olhei pra frente e fui. Aí passaram uns amigos de carro e perguntaram:
- Fabiano, ô loco, onde cê tá indo, véi?
- Tô indo pro terminal pegar o ônibus pra ‘escola’.
- Tá doido, mano? Entra aí que a gente te deixa lá.
“Aí eles me largaram lá no terminal. Chegando lá, outro cara me viu andando meio perdido e perguntou:
- Rapaz, onde cê ta indo?
- Tô tentando chegar lá na Botucatu [rua próxima à Fundação Dorina].
- Quer que eu te ajude?
- Só se for agora!
“Aí ele me levou até o ônibus. Depois pensei: ‘Até aqui tá fácil.”

“Quando desci do ônibus lá perto da Dorina, eu comecei a andar na rua assoviando, de tão feliz que eu estava. Pensei “rapaz... e não é que dá para vir sozinho mesmo? Eu também sou filho de Deus!”

Fabiano lembra que quando chegou à Fundação, a professora veio até ele e perguntou:
- Onde está o seu sogro?
- Deixei ele sozinho. Eu ficava escutando umas coisas aí que eu não gostava e decidi deixar ele lá.

“A professora comeu meu toco. Me disse que eu não poderia mais fazer isso, que eu não estava preparado. Mas eu, que nem burro empacado, disse que se eu não pudesse mais vir sozinho então eu não viria mais. Aí a professora chamou umas pessoas, conversei com todas elas e não arredei o pé. Aí ela decidiu me dar umas aulas intensivas. Rodamos o quarteirão e eu todo alegre, todo sossegado... Aí quando eu chego na porta da Fundação, quem estava me esperando? O meu sogro. Aí ele disse: ‘Vim buscar esse menino.’ Ele falou um monte pra mim. Aí eu respondi: ‘Preciso me virar, moço. Não posso mais ficar dependendo de vocês. Estou estudando e aqui eles ensinam tudo.”

“E foi assim que eu aprendi a andar sozinho. A professora até me elogiou”, conta alegre e orgulhoso, como um menino que acabara da tirar 10 na prova.

Depois das aulas de mobilidade, Fabiano participou das Atividades da Vida Diária (AVD), que ensina os alunos a fazer tudo o que faziam no dia a dia antes da perda da visão.

“Um dia comentei com a professora de AVD que eu estava chateado porque não podia mais fazer cavanhaque. Aí ela perguntou:
- Não pode por quê?
- Ué, como é que cego faz cavanhaque?
- Traga a gilete na próxima aula que eu vou te ensinar.
“Aí eu pensei: ‘Essa eu quero ver. Ela é mulher, como é que uma mulher vai me ensinar a fazer cavanhaque? E não foi que a mulher me ensinou mesmo?” E completa rindo de si mesmo: “Cego com cavanhaque, eu sou primeiro!”

E Fabiano continua contando histórias divertidas, como uma forma de rir feliz de si mesmo. “Um dia, logo quando fiquei cego, decidi ir pra igreja e descer sozinho o barranco pra chegar lá. Comecei a descer todo cheio, até que tropiquei e rolei morro abaixo. Levantei na mesma hora, bati na roupa para tirar a poeira e entrei na igreja como se nada tivesse acontecido, torcendo para que ninguém tenha assistido à cena. A gente supera as coisas, apesar dos obstáculos”, conta às gargalhadas. “Hoje mesmo, enquanto eu estava descendo a rua para chegar aqui na Dorina, resolvi fazer bonito e vir pelo outro canto da calçada. Estava descendo todo, todo. ‘Vai que alguma professora está atrás de mim. Tenho que mostrar que sou bom mesmo’, pensei. Mas, aí, acabei batendo o nariz no orelhão”. E, mais uma vez, diverte-se: “O orelhão não saiu da frente, né? Daí fui pro canto, descer junto do muro. Essas coisas acabam servindo para a gente aprender.”

“Então foi assim: desde que perdi a vista eu vinha direto aqui pra Fundação. Depois que vi que era aqui que eu iria aprender a viver de novo, decidi: ‘Vou viajar nesse bonde também e vou fazer amizade com esse pessoal todo daqui’. Daí fui fazendo amizades, aprendi a usar o computador e hoje tenho amigos de tudo quanto é lugar, de Minas, do Rio... E todos sempre me ensinam alguma coisa.”

Três anos depois do acidente, Fabiano teve mais um sinal de que sua vida realmente não havia acabado e que, ao contrário, ela ainda tinha muito dar a ele. “Minha mulher ficou grávida e nasceu mais um varão na família: o Vitor Hugo. É... O ceguinho aqui não é fácil, não...”

E completa com seu infalível bom humor: “Viu? A gente é cego, mas continua a se virar do mesmo jeito.”

Embora seja um rapaz sempre muito alegre, algumas coisas ainda abalam Fabiano, que sofre por não conseguir ver tudo o que gostaria. “Meu sonho era ver meu filho andando de motoquinha [bicicleta]. No dia que ele me contou que estava andando sozinho, sem as rodinhas, fui chorar escondido porque eu não nunca iria ver o moleque pedalando.”

Por outro lado, ele aprendeu a valorizar sempre o lado bom das coisas. “Quer saber? Hoje eu acho que a minha vida é melhor agora do que quando eu enxergava. Dou mais valor pras coisas, pra minha família, fico mais com meus filhos... Para você ter uma ideia, até nas reuniões de pais da escola dos meninos eu vou! Antes eu ficava sem graça, pensava que os moleques iam ficar com vergonha de mim. Mas que nada. Hoje eu vou e participo mesmo.” Em seguida, rende-se à emoção que o toca profundamente quando se lembra dos filhos: “Meu sonho é que meus meninos um dia possam dizer: ‘Meu pai, mesmo com todas as dificuldades, fez tudo o que pôde para a gente estudar e conseguir tudo o que a gente sonhava”.

Fabiano ressalta que a Fundação Dorina tem uma importância muito grande na sua vida, pois foi aqui que ele reaprendeu a viver. “A Fundação foi o pontapé inicial para essa minha nova fase. Foi aqui que eu reaprendi tudo, onde eu fiz amizades e descobri o mais importante: foram-se os olhos, mas a vida continua.”

Mas antes que ficasse sério demais, dá um jeito de descontrair: “Se não fosse a Fundação Dorina eu iria continuar caindo por aí. Hoje eu trombo em orelhão, mas não rolo em barranco mais.”

E conclui: “Eu sempre dou um jeito de estar alegre. E tenho que rir mesmo: o mundo não acabou ainda! Mas às vezes ouço umas pessoas dizerem ‘se eu estivesse no seu lugar eu não iria conseguir rir tanto, não’. E eu nem ligo, porque antes de ficar cego eu pensava a mesma coisa.”

Reencontro com a própria vida


Storytelling

Fundação Dorina Nowill para Cegos
Case Joseli Cardoso Serra da Silva



Joseli é uma mulher determinada, divertida e muito inteligente. Ela tem 37 anos, mora em Embu das Artes, é mãe de dois filhos e há três anos perdeu completamente a visão em consequência de uma doença hereditária que marcou sua vida desde a primeira infância.

O pai dela, seu Geraldinho, também convive desde muito moço com a perda gradativa da visão e hoje enxerga apenas 15% de uma só vista. Apesar disso, ele nunca conseguiu um diagnóstico preciso da doença. Quando a filha nasceu e começou a apresentar problemas, como quedas e esbarrões frequentes em portas e paredes, ele e a esposa, dona Josefa, perceberam que a filha poderia ter herdado a mesma doença que já havia acometido não só o pai como parte da família paterna.

Aos seis anos, Joseli foi levada a um oftalmologista, que diagnosticou apenas um quadro de miopia e astigmatismo. Desde então, passou a usar os óculos receitados pelo médico. Apesar disso, Lili, como é carinhosamente chamada pelo pai, precisava se sentar bem à frente na sala de aula para conseguir copiar as lições na lousa e continuava enxergando pouquíssimo à noite. Por isso, desde cedo teve que conviver com as constantes gozações dos colegas, que tentavam ofendê-la chamando-a agressivamente de 'cega', como se sua condição fosse mesmo razão para insulto.

Já mocinha, Joseli voltou ao médico, pois seu quadro estava se agravando. O doutor insistiu na receita anterior e ainda comentou com a mãe: "Ela está é com frescura. Tenho certeza que ela está enxergando muito bem."

Preocupada, Dona Josefa não se deixou dobrar pelo diagnóstico e levou a filha na Santa Casa de Santo Amaro, onde os médicos disseram que o estado da menina era grave e que ela precisava fazer com urgência um exame de mapeamento da retina. Joseli conseguiu encaminhamento para o Hospital São Paulo e, lá, os resultados dos exames não deixaram dúvidas: ela tinha retinose pigmentar, uma doença hereditária que causa a degeneração da retina e provoca a perda gradual da visão, além de edema macular, um acúmulo de líquidos na região mais importante da visão, a mácula, também responsável pela baixa visão.

No Hospital São Paulo, Joseli começou a tratar o edema por meio de injeções aplicadas diretamente nos olhos. "O edema cedia a cada sessão, que era sempre muito dolorosa, mas um mês depois ele voltava", conta. Já quanto à retinose, pouco ou nada havia para se fazer, já que ainda não há tratamento capaz de cessar a progressão da doença.

Ainda assim, Joseli tentava seguir normalmente sua vida estudando, trabalhando e até dirigindo. Mas, aos poucos, ela começava a perceber que as limitações iam aumentando: trabalhava como tesoureira e fiscal de caixa e, para conseguir realizar suas tarefas, precisou contar com o auxílio de uma lupa. "Mesmo com a ajuda da lupa, comecei a cometer muitos erros. Por isso decidi pedir demissão, antes que uma falha mais grave pudesse acontecer."

Até que um dia, assim como aconteceu com o pai, surgiu em seu olho direito uma mancha grande que comprometeu de vez sua visão. "Parecia que um maribondo grande tinha entrado no meu olho. Depois desse dia, passei a enxergar só do olho esquerdo", conta.

Pouco tempo depois, Joseli se casou com João, seu grande amor da juventude. Apesar da contraindicação médica, em 2002 ela engravidou de seu primeiro filho, o Jean. Mesmo vivendo uma fase de muitas alegrias, a retinose, porém, não estava adormecida. Assim que descobriu que estava grávida de seu segundo filho, Lili foi acometida por uma catarata em seu olho esquerdo, o que a deixou subitamente cega. "Assim que o Lucas nasceu, chorei demais porque eu não conseguia ver o rostinho dele. Não podia conhecer o meu filho!" Quando o nenê completou oito meses, Joseli operou da catarata e, ao chegar em casa, a primeira coisa que fez foi retirar o tampão do olho. "Eu fiquei emocionada demais! Pela primeira vez pude ver o sorriso lindo do meu filho, o filho que eu acabava de conhecer oito meses depois de ter nascido! Foi um sorriso tão lindo que eu jamais vou me esquecer daquele dia."

Um mês depois, o edema voltou ao olho esquerdo e a visão de Joseli tornou a degenerar-se. "Estava me preparando para ficar cega. Eu sabia que esse dia iria chegar. E acreditava que seria um dia em que eu não mais sairia de casa, nem faria nada de útil da minha vida", ressalta.

Nessa ocasião, Lili viu uma moça cega andando sozinha pela rua, com o apoio de uma bengala. "Achei aquilo incrível. Comentei sobre isso com uma amiga da igreja, que me disse que conhecia uma Fundação que dava assistência a deficientes visuais: a Fundação Dorina Nowill para Cegos."

Joseli, que até então tinha visão subnormal, foi então pesquisar sobre a instituição na internet e dias depois já estava com o pai batendo à porta da Fundação Dorina. "Chegando lá, fiquei encantada. Não parava de falar para o meu pai: 'Pai, veja quantas pessoas cegas andando sozinhas de bengala, vejam como elas são bonitas, bem arrumadas e independentes!" Empolgada, ela começou a perguntar para todos os que encontrava pela frente: "Como você aprendeu isso?" Ao que respondiam: "Aqui tem professor pra tudo isso!"

"Nesse dia foi como se um novo mundo tivesse se aberto para mim. Fiz minha inscrição, mas não havia vagas para a mobilidade (técnicas para uso de bengala), nem para o braile. Teria que esperar", conta. Dois meses depois, a Fundação chamou Joseli para frequentar as aulas de informática.

Decidida a participar, Joseli pediu ao pai que a acompanhasse três vezes por semana até a Fundação. Seu Geraldinho, que entende como ninguém o problema da filha, como sempre estava disposto a fazer por ela tudo o que estive ao seu alcance. Assim, fechava o pequeno comércio que mantém na parte de baixo de sua casa e acompanhava Lili até a Fundação. Enquanto isso, Dona Josefa cuidava das crianças e ainda arrumava toda a casa para a filha.

Lili e o pai demoravam três horas de Embu das Artes até a sede da Dorina, mas não faltavam a uma aula sequer. "Eu sofria demais vendo minha filha sofrer. Queria fazer qualquer coisa por ela", conta emocionado.

Na aula de informática, Joseli conheceu a lupa do computador, uma ferramenta que facilita a leitura para quem tem baixa visão, e também o programa 'Virtual Vision', que lê textos em voz alta para quem já não consegue mais enxergar. "Quando fiquei sabendo desse programa, perguntei para uma colega de classe como era esse negócio de computador que fala", brinca. "A primeira vez que ouvi o computador falando, chorei de emoção!"

Um dia, Lili, que ainda enxergava um pouquinho, viu pelo computador um vídeo da fundadora da Fundação, Dona Dorina Nowill, que a marcou profundamente. "Falei para mim mesma: 'O quê?! Se ela conseguia ser poderosa e chiquérrima assim eu também posso. Aí, nesse dia eu decidi: vou ser igual à Dona Dorina. Quero ter todo aquele carisma e poder de persuasão que ela tinha, mesmo sendo cega. Agora eu sei que é possível e é isso o que eu quero isso para a minha vida."

Ela conta que o dia a dia na Fundação foi apresentando um novo mundo de possibilidades. "Quando você perde a visão é como se o chão abrisse e a gente caísse bem ali; a gente fica como se estivesse perdido no espaço. A Dona Dorina e todos que trabalham e frequentam a Fundação que ela criou me tiraram daquele buraco em que eu estava."

Assim que terminou o curso de informática, Joseli foi encaminhada para o programa de orientação e mobilidade, que envolve fisioterapia, psicologia e a mobilidade com a bengala.
"A gente fica meio bambo quando perde a visão, por isso a fisioterapia é tão importante. Ela trabalha nosso equilíbrio, nossa postura, fortalece os braços e as pernas para a gente não cair à toa", explica.

"A 1ª aula de bengala foi um dos dias mais felizes da minha vida! Já queria sair andando!
Mas precisei controlar a ansiedade. Nas primeiras aulas fui reconhecendo a sala de aula, depois toda a parte interna da Fundação. A professora passava as técnicas necessárias para identificarmos escadas, portas e corrimões". Só depois de tudo isso é que Joseli pôde ir para a rua. "Mas, antes, a professora me mostrou todo o percurso que eu faria em uma maquete, onde a percorri inteirinha com os dedos. Dei minha primeira volta no quarteirão, sempre monitorada pela professora. "Quando cheguei de volta à Dorina, fiquei tão feliz que saí contando pra todo mundo o que eu havia acabado de fazer!"

O primeiro passeio externo despertou tanta coragem em Joseli que, dias depois, decidiu ir sozinha até a padaria perto de casa. "Peguei um guarda-chuva e fui me guiando. Usei todas as técnicas que aprendi e consegui ir e voltar direitinho". As experimentações continuaram e, depois, ela trocou o guarda-chuva por uma trava de bagageiro de carro até que, então, resolveu comprar uma bengala de verdade. "A bengala certa faz toda a diferença. Ela tem que ser leve, emborrachada para não machucar e mão e ser do tamanho certo da pessoa, batendo aqui no peito", explica.

Os exercícios de mobilidade na Fundação continuavam e agora o percurso começava a ficar mais longo e complexo. "Numa das aulas, aprendi a andar de metrô e ônibus, como subir e descer de forma correta e segura, como me sentar, como me locomover dentro dos vagões, como lidar com imprevistos. Há técnica para tudo", reforça.

Na penúltima aula, ela teve de ir sozinha ao metrô e, por fim, deveria ir sozinha de casa até a Fundação Dorina. "Andei até o ponto de ônibus aqui no Embu, tomei uma condução até o Metrô Clínicas, peguei o metrô e depois mais um ônibus até chegar na Fudação. Enquanto percorria o trajeto sozinha, senti medo, calafrio. Mas quando cheguei, parecia que eu tinha ganhado um troféu! Na verdade, eu tirei carta de motorista de novo com a minha bengala", diverte-se.

Além das aulas de mobilidade, na Fundação Dorina Joseli aprendeu a ler e escrever em braile e também participou das aulas de AVD (Atividades da Vida Diária). "Aprendi a fazer frituras, a escolher feijão, a saber quando o alho está douradinho para fazermos arroz... Hoje faço tudo em casa: faxina, lavo, passo e cozinho", conta orgulhosa.


Ao longo da dura trajetória de vida, um elemento foi fundamental para manter a família sempre corajosa e muito unida, apesar de todos os revezes: a fé inabalável. "Sem Deus eu não estaria aqui hoje. Passei por momentos em que eu me desesperei e quase pensei em desistir. Achei mesmo que tudo tinha acabado para mim. Hoje sei que mundo inteiro pode dizer que você não vai conseguir, mas Deus te prova todos os dias que nós podemos, sim".

"O começo foi muito difícil para todos nós. Todo mundo precisou se adaptar. O mais difícil foi voltar a ser independente", ressalta.

"Para você ter uma ideia, no começo os meus filhos não compreendiam muito bem as limitações que eu tinha. Eles viviam pedindo para que eu os levasse de carro até a cidade. Diziam: 'Mãe, a gente diz onde é e a senhora vai dirigindo'. O único jeito que eu encontrei para que os meninos entendessem melhor a minha condição foi brincar de cabra-cega com eles: "Vendei os olhos dos dois e pedi que andassem pela casa e tentassem fazer tudo o que estavam acostumados. E depois disse: é assim que a mamãe vê agora", descreve.

Como se não bastasse todo o aprendizado necessário para reaprender a viver, Joseli conta que lidar com o preconceito das pessoas é uma das partes mais difíceis desse recomeço: "Sofri e ainda sofro muito preconceito. Ao ponto de uma pessoa me encontrar na rua com meu pai e cumprimentar só a ele, ignorando completamente a minha presença. É como se o fato de eu não enxergar me tornasse invisível."

A lição que Lili tirou de toda a sua experiência é a mesma que ela tenta passar adiante, perpetuando o ciclo de fé e determinação que ela entendeu como sendo o melhor caminho a seguir. "Estava tão desesperada, tão inconformada que perguntei pra Deus: 'Por que eu, meu Deus, por que justo eu?' E nesse dia eu consegui compreender tudo. Ele me respondeu: 'Porque eu preciso de você para conseguir ajudar outras pessoas." E assim Joseli escolheu trilhar seu caminho: "Da mesma forma que um dia eu me inspirei em pessoas cegas que viviam suas vidas plenamente dizendo para mim mesma 'Se elas podem, eu também posso', hoje tento mostrar para pessoas que estavam desesperadas como eu estive um dia, que, assim como eu consegui dar a volta por cima, elas também podem. Se eu conquistei a vitória, por que você não vai conseguir também? Enquanto há vida há esperança!"

Desde que nasceu, Joseli precisou conviver arduamente com a perda gradativa da visão e com todas as duras consequências que essa condição traz para a vida de uma pessoa. Mas, ao mesmo tempo, ela encontrou em sua história pessoas sempre generosas e dispostas a apoiá-la em tudo o que fosse possível para que o sentido da sua vida pudesse, enfim, ser revalidado. A começar pelo pai, seu Geraldinho, que abriu mão de si mesmo ao dedicar a própria vida ao tratamento da filha. Sempre muito esperançoso, acompanhou Lili a cada aula e a cada sessão que ela fazia na Fundação Dorina, tantas vezes fossem necessárias, até que ela se tornasse novamente uma pessoa independente. "Esse alicerce foi o que me manteve viva e foi ele que tornou possível para mim a descoberta desse mundo cheio de possibilidades em que eu vivo agora. Um mundo em que eu tenho a Fundação Dorina como minha segunda família, afinal, foi lá que eu redescobri a vida e onde reencontrei a mim mesma", diz Lili, com um sorriso encantador, capaz de iluminar todos que estão perto dela.

"Eu não aceitava o meu mundo porque ninguém nunca havia me apresentado a ele"

Storytelling

Fundação Dorina Nowill para Cegos
Case Rozimary Aparecida de Souza Costa


Rozimary é uma bela mulher de 38 anos, que chama a atenção pela postura assertiva e pelo bom humor. Quem hoje vê a pessoa alegre, vaidosa e cheia de planos mal consegue acreditar que há poucos anos ela não tinha esperança de que pudesse, algum dia, ser verdadeiramente feliz.

Durante a gravidez, a mãe de Rozi teve toxoplasmose (a chamada doença do rato) e isso fez com que o bebê nascesse com sequelas muito graves. "Nasci com problemas neurológicos e com a visão muito comprometida. Enxergo só 15% e percebo apenas sombras e cores muito berrantes, como amarelo e verde fosforescente. O mundo sempre foi meio esquisito para mim porque nunca consegui perceber detalhes", conta. Rozimary relata que, desde criança, as pessoas começaram a perceber que ela tinha um olhar diferente, mas nunca a levaram ao médico para diagnosticar o problema. "Meus parentes não assumiam a minha deficiência e fingiam que não havia nada de errado comigo."

Segundo ela, além de não buscar tratamento, sua mãe a prendia muito em casa, o que fez com que a menina se tornasse arredia e muito introspectiva. Para piorar, Rozi conta que sofria muita discriminação na escola, sendo constantemente alvo de chacota por parte das outras crianças. "Sofri muito, pois queria ser que nem as outras crianças. Nunca fui de muitas amizades, pois meus colegas queriam fazer coisas que eu não conseguia fazer".

Aos 18 anos, Rozi decidiu se casar para ver se conseguia dar algum sentido à vida. Teve dois filhos, que hoje têm 17 e 15 anos, mas o casamento não resistiu. "Vivi uma fase em que não conseguia ficar perto de ninguém, nem das minhas crianças."

Aos poucos, Rozimere foi percebendo que não aceitar a deficiência estava lhe fazendo muito mal e a impedindo de evoluir. "Cheguei à conclusão de que eu era um objeto não identificado no meio da rua e que não passava de um ponto de referência: 'Perto daquela cega ali', brinca. "Tive que ir descobrindo meu caminho sozinha e fui me adaptando sem orientação; não da forma mais recomendável, mas da maneira como fui encontrando."

O medo de socialização fez com que Rozi evitasse ao máximo os pedidos de ajuda, assim como adiou também a opção pelo uso da bengala. "Não queria perguntar nada para ninguém. Eu mesma mascarava o meu problema". Até que um dia, ao andar próximo à rodovia Regis Bittencourt, Rozi levou um tombo devido às elevações do solo. O incidente fez com que ela decidisse improvisar uma bengala. "Nesse dia consegui um taco de golfe emprestado, fiz umas modificações e passei a usá-lo no dia a dia."

Dorina
No ano de 2006, Rozi descobriu a Fundação Dorina Nowill para Cegos ao procurar pelo empréstimo de audiobooks. Algum tempo depois, começou a participar de sessões de terapia ocupacional e de psicologia, duas vezes por semana. "Me identifiquei muito com a história da Dona Dorina: uma mulher vaidosa, chique e muito decidida. Eu achava que cego tinha que andar desarrumado, sem maquiagem, descabelado. Ao conhecer a história dela, decidi mudar a minha imagem e passei a me maquiar, a escolher melhor as minhas roupas e passei a buscar meu equilíbrio físico e mental", explica. "Além disso, aqui na Fundação conheci uma turma de amigos, com quem passei a sair, dançar, ir ao karaokê, namorar e aprender a ser feliz".

Rozimary diz que ao se abrir para as novas possibilidades ela conseguiu perceber que era ela sua maior inimiga. "Tive que bater nesse inimigo, pois sempre fui muito fechada e muito submissa. Hoje eu estou bem, aprendi a pedir ajuda, sei me posicionar, vou aonde estou a fim e não tenho barreiras em assumir o meu mundo. E sou feliz com ele", ressalta.

"Percebi que a gente se torna uma cruz quando não tem autonomia. A deficiência joga em cima da gente uma fragilidade e eu descobri que precisava fazer dessa fragilidade uma fortaleza. Eu venci essa fragilidade e hoje eu sou feliz porque vivo no meu mundo. Antes eu vivia querendo me adaptar ao mundo dos videntes, um mundo que não era meu. Na verdade, eu não aceitava o meu mundo porque ninguém nunca havia me apresentado a ele. E a Fundação Dorina fez isso pra mim."

Rozi desabafa e chega a dizer que no período em que se recusava a aceitar a própria condição se sentia morta, mas desde que conheceu a Fundação Dorina Nowill sua postura diante de si mesma e diante da vida mudou completamente: "Vir para a Fundação é como conseguir abrir as asas, é como ser uma árvore que vai desgalhando, pois a Dorina se preocupa muito com a nossa independência. Afinal, foi isso o que a própria Dorina Nowill queria para ela mesma. As pessoas saem daqui com ideias e ganham o mundo, com ideias e noções de direito", diz. "Agora tenho projeto de vida e até aprendi a comemorar o meu aniversário, coisa que eu nunca fiz, pois não tinha o que comemorar. Meu primeiro aniversário de verdade eu só comemorei aos 35 anos. Aqui na Dorina eu achei a minha luz e agora quero passá-la adiante."